ESTUDO PARA CORDEL: NOS PASSOS DE ANTÔNIO,
O CONSELHEIRO
Rangel Alves da Costa*
Lembra desses nomes, seu moço? Que tal se alembrar de Leandro Gomes de Barros, homem de mais de mil folhetos, de João Martins de Athayde; ou mais recentes como José Alves Sobrinho, Homero do Rego Barros, Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), Eloi Teles, Augusto Bitu, Zé Melancia, Zé Vicente, José Pacheco da Rosa, Gonçalo Ferreira da Silva, Chico Traíra, João de Cristo Rei e Inácio da Catingueira?
E se alembra dessas coisas seu moço, tais como a cultura popular, o folguedo, o dançar, as crenças e assombrações, as fantasias e superstições, o fazer matuto de uma gente, a vida no barro e na pedra de uma gente tão crente?
Haverá de se alembrar sim, pois nunca há de esquecer do cangaço e Lampião, dos mitos da religião, das lendas desse sertão, do cavalo-marinho correndo a galope e das beatas na procissão. Se alembra sim, é cordel, seu moço, contando uma história, fazendo o seu papel.
Tudo nascido na mente artesã, surgindo brilhante como a luz da manhã, rimando com métrica e afã de mostrar que o belo é pendurado na corda como lição para ser lida amanhã. Porque o cordel se mostra na feira, em cima da banca e na esteira, pendurado no pau da banca e na cumeeira, para mostrar que o poeta transforma em lirismo qualquer bagaceira.
Mas meu negócio é outro, só proseei pra ganhar coragem, pois quero sem contratempo fazer uma viagem, falar de um homem e da sua mais que voragem, que cortou sertão adentro, na chuva e na estiagem, espalhando profecias, fazendo muito sondagem, querendo mostrar a todos a sua dura mensagem, que a paz era possível num arraial de camaradagem.
Falo de Antônio, falo do Conselheiro, digo do iluminado, digo do endeusado, cito o fanático e o lunático, lembro o missionário e o visionário, o enlouquecido e o apetecido para transformar o mundo estabelecido.
Quem foi esse homem, esse doido varrido, consciente de tudo, mais que sabido, de roupão de elinho e pés de espinho, de cabelos longos e barba longa, sempre esguio ao calor e frio, carregando seu bastão, construindo igreja em cada chão, anunciando o apocalipse em cada sermão, chamando o povo a cortar caminho em procissão?
A sua bandeira era conhecida, criticando o latifúndio, a miséria e a fome, além da ordem estabelecida. Saiu do Ceará, onde nasceu, seguiu para a Bahia, onde viveu, começando a pregar um mundo só seu. Revoltado contra o Estado, foi juntando ao seu lado um povo pobre e desesperançado, cortando caminhos nordestinos em busca do lugar abençoado, onde reunisse o povo fanatizado.
Depois de varar chão do sertão sempre acompanhado de multidão, juntou os seguidores num só quinhão, fundando Canudos com devoção. Era um mundo de igual, sem divisão social, onde tudo era de todos, e todos em vida normal. Plantavam, colhiam, trocavam e vendiam, tendo aquilo que mereciam.
Mas o governo não aceitava o que o Conselheiro tanto açoitava, resolvendo caçá-lo onde ele estava. E foram os soldados desbravando a terra, passando rio e cortando serra, para achar Canudos e matar todos sem fazer guerra. O Conselheiro era um sabido, espalhou pelo mato homem escondido, esperando o soldado despercebido.
E na estratégia matuta, a defesa virou luta, por o governo não ter aceitado ver o seu exército desmoralizado, tendo comandante assassinado. E então raivoso, escolheu do cão o mais teimoso e o grande exército tinhoso enfim tomou o sertão, e não restou nem chão, tudo virou morticínio, homem, mulher e menino. E o Conselheiro sem escudos tombou sem vida em Canudos.
Assim o beato se foi, levando seu sonho e sua luta, mas deixando em Canudos uma voz que ainda se escuta.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Em toda a minha vida,
caríssimo poeta Rangel,
essa foi a primeira vez
que li uma prosa em cordel!...
E sabe o que aconteceu?
Esse belo texto Teu
provou que és um Menestrel!
És um artista nato,
um poeta verdadeiro,
representante ilustre
do Nordeste brasileiro,
região sem outra igual...
E no aspecto cultural,
das artes é o grande celeiro.
Não me causa nenhum espanto
Esse teu grande talento.
No Nordeste é sempre assim:
Todo dia nasce um rebento
Com enorme capacidade
De mostrar sua genialidade
Tendo a arte como instrumento.
Por isso, nobre Rangel,
não se zangues nem contestes
quando disserem que és
um poeta “caba da peste”...
pois se assim fores chamado,
para sempre serás lembrado
com o filho do Nordeste.
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