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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A NÓS, QUE AINDA ESCREVEMOS (Crônica)

A NÓS, QUE AINDA ESCREVEMOS

Rangel Alves da Costa*


Não tenho dúvidas de que a grande maioria dos escritores desse país – artesanais como eu ou profissionais como outros – vive num crescente descontentamento com a desvalorização e a falta de reconhecimento impostos pelas entidades governamentais de fomento à cultura.
Escrever poesias, crônicas, romances e outros tipos de literatura, se não for por pura expressão de prazer de nada valerá a pena. E não vale nem a outra pena que se gasta ou o tempo de criação se o escritor terá a certeza que sua obra, mesmo esmerada e com rico valor literário, vai servir somente para consumo próprio, ficar depois guardada numa gaveta qualquer e em seguida entregue ao mais voraz dos leitores, que é o tempo.
Ora, se é verdade que um país se faz com homens e livros, como já disse Monteiro Lobato, também é verdade que países existem, como o nosso, cujas realizações maiores de incentivo à cultura resumem-se na destinação de verbas orçamentárias para os respectivos órgãos culturais e daí tudo sumir misteriosamente nas brumas dos conchavos.
Ninguém há de ignorar que muitas pessoas enriquecem com o dinheiro da cultura sem jamais escrever um só verso. Dos gabinetes e suas listas de pseudos literatos saem listas e mais listas com nomes cujas verbas serão destinadas. Para publicar o que? Ora, é corriqueiro pessoas receberem vultosas verbas sob a justificativa de que farão uma pesquisa sobre a vida e obra de não sei quem.
E os que estão efetivamente produzindo literatura, escrevendo no dia a dia, fazendo uma genial obra ainda que não reconhecida, terão algum apoio financeiro para publicar seu romance, por exemplo? Logicamente que não porque a bacia da cultura se derrama rapidamente e o seu precioso caldo já tem destinação certa.
Nesse passo, não há dinheiro para apoiar os novos autores simplesmente porque não querem, acham melhor ficar como está: cada um escreve o que quiser e publica por conta própria se tiver condições, senão faça das traças assíduas leitoras.
É aquela velha questão de saber dividir o bolo. Acabando com a voracidade de determinadas pessoas bem que se poderia incentivar a publicação de novos livros assegurando, por exemplo, 10% do valor de impressão. E isto apenas para provar que o governo doa pouco, mas doa. Não é quase nada, é verdade, mas ao menos não permaneceria essa vergonhosa ausência do Estado.
Não seria o fim do mundo se em cada estado da federação houvesse um órgão específico, vinculado diretamente ao governo federal, para receber e analisar as produções literárias de qualquer gênero e espécie trabalhadas por qualquer pessoa, por qualquer um que ache que aquilo que escreveu merece ser publicado.
Contudo, não séria uma análise burocrática do conteúdo ou valor literário da obra, vez que a crítica só é merecida quando o livro é publicado. Tal análise se voltaria tão-somente para verificar se o que foi apresentado pode ser considerado como literatura. Somente isso, sem fazer presunções ou classificações. Como já afirmado, somente o leitor poderá julgar o valor da obra.
Então, uma vez constatado que alguém escreveu alguma coisa que se enquadra como literatura, o passo seguinte é garantir logo 10% do valor dos custos gráficos apresentados em orçamento e que deverão ser comprovados posteriormente. Valor este que poderá ser acrescido e chegar aos 100% se o autor apresentar, junto com o texto, um projeto de viabilidade cultural de sua obra.
Quer dizer, basta o autor apresentar o orçamento gráfico e o livro que pretende ver publicado se caracterizar como literatura e os 10% já estaria garantido. Se o autor pretender obter uma verba maior, então junto com sua obra apresentará um projeto de viabilidade cultural. Quando – aí sim – o texto será analisado mais minuciosamente e poderá receber verbas adicionais, podendo cobrir todas as despesas.
Qual o rombo que seria para a União essa verdadeira esmola cultural? Tal iniciativa não traria qualquer tipo de aumento nas despesas ou qualquer custo adicional, vez que tais verbas já são mais que disponibilizadas a cada ano, mas que ganham as mais esdrúxulas destinações e as mais vergonhosas utilizações. Bastaria saber gerenciar tais verbas orçamentárias e cada pessoa que escrevesse um livro poderia ter realizado o sonho de vê-lo publicado.
Na verdade, considerando-se que o Brasil é um país que historicamente não incentiva a produção literária, a não ser com a criação de prêmios que já possuem ganhadores “de nome” garantidos, não há que se esperar nada diferente daqui pra frente. Livros famosos da nossa literatura foram escritos em folhetins semanais, publicados pelos jornais da época, vez que os seus autores também eram negados artisticamente pelos governantes.
Quantos talentos existem por esse país que guardam seus originais nas gavetas porque não têm a menor chance de arcar com os custos da publicação? Quantos cupins já leram, choraram e se encantaram com personagens adormecidos em folhas amareladas e carcomidas de papel? Quantos maravilhosos e anônimos autores continuam produzindo obras certamente de melhor qualidade do que esses ganhadores de sempre do Jabuti e outras laureações?
Hoje em dia, quem usa o computador para escrever certamente vai perdendo aquele senso de amizade que possuía com o personagem criado no toque-toque da velha Remington ou rabiscando na própria folha e que estava ali ao lado esperando pelo seu destino. Mas uma coisa é certa: de uma hora pra outra fica com raiva disso tudo e deleta para sempre o velho capitão, a mocinha, o animal falante que criou.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Caca disse...

Umas das cenas mais desanimadoras que vivi e que ilustra bem o que você discorre aqui se deu quando fui procurar informações sobre registro de obras no escritório da Biblioteca Nacional que havia aqui em MG. O porteiro do prédio me disse que simplesmente fechou e que se quisesse registrar algo, somente no RJ, SP e Brasília ou através de um processo na internet (que saí caríssimo através do envio da papeleda pelos correios).Abraços, Rangel! Paz bem.

Toninho disse...

Seu grito ecoa por todos os lados que vou e viajo pelo mundo das letras.Uma vrgonha mesmo meu caro amigo.Patrocinio a gente bem sabe o que eles interessam, vivemos no faz de conta, porque as hienas estão no poder com toda a usura a serviço.Meu abraço de paz e luz.