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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O AMOR NOS TEMPOS DO DESAMOR (Crônica)

O AMOR NOS TEMPOS DO DESAMOR

Rangel Alves da Costa*


O amor enquanto conceito de buscar no outro a satisfação de desejos, parece não ter mudado ao longo dos anos. O que não mais se reconhece no amor são as formas sadias e românticas de expressá-lo e de partilhar o contentamento junto da pessoa amada.
Atualmente a palavra amor serve indistintamente para tudo que envolva uma relação, demonstrando assim sua fragilidade. Desse modo, amar passou a significar a relação sexual ocasional, o sair, o ficar, o prazer pelo prazer, como bem certas pessoas preferem. Quando se diz que fez amor é porque praticou relação sexual. E quando sexo foi amor?
Enquanto depuração do amor, consequencia normal e lógica de pessoas que se desejam mutuamente, o sexo se limita à identificação física com o outro, bem como a afirmação de uma identidade nas pessoas que se gostam. Indo além disso o sexo não passa de vulgarização dos sentimentos, menosprezo ao próprio corpo e declínio do resguardo moral que deveria existir em cada um.
Hoje em dia, que o amor está mais banalizado do que arroz com feijão, as pessoas mais conscientes não sabem mais nem se ainda existe amor, se ainda vale a pena amar e, principalmente, qual o conceito do outro sobre a questão. Ora, se o outro já encontra uma porta aberta logo saberá da facilidade existente para entrar, abusar e sair.
Nessa incerteza, por não querer fugir aos padrões que lhes orientam nas relações, tendem a preferir a solidão a se entregar ao jogo do finja que ama lá que finjo que amo cá, tendo de se entregar porque essa é a pedra principal do jogo. Uma vez vencida, torna-se dama comum, vulgar, banalizada.
Coitado desse amor que nunca aprende com os tantos erros praticados em seu nome. Pelo contrário, torna-se cada vez mais banalizado e tendente a ser reconhecido apenas nas relações familiares e de amizade. Mas por que essa coisa tão bonita conhecida como amor, de um passado romanticamente brilhante e encantador, aos poucos foi se esfacelando até chegar às raias da banalização total?
Muitas respostas poderiam ser dadas, principalmente no sentido de afirmar que os tempos modificaram os costumes, prevalecem as incertezas nas relações e ser romântico se transformou sinônimo de cafonice. Além disso, pessoas que ainda continuam sendo sentimentais, amam com sinceridade e sentem falta das pequenas coisas que encantam e esquentam uma relação, se sentem sem espaço para expressar esse jeito doce de amar em meio aos apelos e erotismos desenfreados.
Contudo, por mais que a televisão e os modismos que estão presentes em tudo e em todo lugar insistam para que o amor seja uma coisa e não mais uma sensação, verdade é que basta olhar um pouco para trás e encontrar exemplos de como os gestos de amor comandavam a vida dos apaixonados.
Uma bela serenata em noite de lua cheia rompia as trancas do coração mais inacessível; um ramalhete de flores do campo, cheirosas igual à desejada, acompanhado de uns versos de amor rabiscados com letra trêmula, fazia a mocinha tremer de cima a baixo no instante que recebia; uma caixinha de bombons, uma maçã do amor, uma única flor colhida no jardim, um olhar sincero, um gesto corporal e um sorriso nos lábios, tudo isso deixava o outro sem reação para dizer não.
No velho alto-falante da cidadezinha ou mesmo na emissora de rádio tão ouvida no lugarejo, ao entardecer o locutor anunciava: “Esta próxima página musical, perfumada com os melhores aromas dos que amam, é um oferecimento de Zezinho para alguém muito especial e que ele ama muito, esta hora ouvindo seu radinho de pilha lá no Sítio da Ribeira”.
E começava a música. E a melodia romântica e apaixonada corria pelas terras e atravessava montes: “Ah! Meu amado, por que brigamos, a nossa vida pode ser só de alegria. Porque te amo tanto...”.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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