SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CONVERSANDO SOZINHO (Crônica)

CONVERSANDO SOZINHO

Rangel Alves da Costa


Por mais que alguns continuem vendo como maluquice o hábito que os outros têm de conversar consigo mesmo, ou com os próprios botões como alguns preferem, ainda continuo achando que esse é o mais saudável diálogo que possa existir e o único onde não há distorção no que é falado, ainda que somente o próprio falante entenda o que diz.
Malucos, malucos de verdade existem que andam falando sozinhos por aí. E não são poucos não. Não é difícil encontrá-los por todos os lugares, por todas as ruas e muitas calçadas. Sem falar naqueles que sempre acham que os outros não os observam.
E é isso que complica a situação, pois muitas vezes conhecemos o doido e não conhecemos outras pessoas ditas normais que até chegam a sorrir com as besteiras que dizem a si e sobre mesmas. Dizem até que uns falam mais grosso e respondem com uma voz mais fina.
Conheço gente que não abre a boca pra dizer uma palavra sequer se alguém chega perto dele. Mal-humorado, muitas vezes deseducado, não dá a mínima atenção ao que o outro pergunta ou diz. Se alguém disser que tem uma aranha subindo na sua perna não tá nem aí.
Contudo, basta que a pessoa dê as costas e começa o converseiro que não acaba mais, falando sozinho e até alto, como se o interlocutor não ouvisse bem. E murmura e silencia, diz uma coisa que faz alegrar a face, diz outra que chama lágrimas, e assim vai o entardecer inteiro, na cadeira de balanço, embaixo do velho tamarineiro.
Já disse que pare de tá conversando sozinho homem. Parece que tem fantasma, coisa do outro mundo pilheriando com você. E ainda por cima dá susto na gente toda vez que conversa besteira. Se alembra que outro dia você tava dizendo a num sei quem que guardasse um lugarzinho pra você lá em cima aonde tivesse um botequim por perto. Quem já se viu uma conversa dessa homem de Deus, pois onde deve ter cachaça depois de morrer é lá mais pra baixo. Você quer ir pra lá? Reclamava a esposa e com toda razão.
E tinha razão porque o marido realmente só falava besteira. Outros, não se sabe se é besteira ou não o que dizem, mas falam palavras e frases somente entendidas por eles mesmos. E um diz que precisa baixar o sol pra tirar a ferrugem dele; outra afirma que quando pegar ele de jeito vai arrebentar a cabeceira do riachinho; e ainda outro diz que vai procurar o bicho porque nunca mais conseguiu morder ele.
Mas é cada coisa que se ouve nesse diálogo esquisito que nem dá pra acreditar. Tem gente que diz que não vê problema em conversar sozinho, pois os filósofos ficavam o tempo todo perguntando maluquices a si mesmos e ninguém dizia que eles tinham um parafuso a menos. Mas tem gente que é da opinião que isso tem muito a ver com coisas do outro mundo, com espiritismo e até com encosto.
Um filósofo caipira chamado Totonho de Tonha, ao seu modo, vivia alardeando que havia encontrado uma explicação para o fenômeno. Segundo ele, o problema só acontecia em pessoas potencialmente perigosas, astutas e valentes demais, e logicamente que além disso tudo eram possuidoras de fatores também perigosos, tais como a predisposição para a fofocagem, a língua solta demais e o prazer de falar aquilo que não conhece nem tem certeza.
E explicava ainda que pessoas que conversam sozinhas são explosivas e por qualquer motivo podem abrir a boca para falar besteira, para dizer o que não deve, para ferir através da palavra. E por quê? Alguém perguntou certa vez. Ora, se falam tanta besteira sozinhas, imagine pessoas dessas com raiva de outras!
Qualquer dia vou me perguntar sobre tudo isso. Por enquanto, continuo fingindo que não falo sozinho e os outros fingem que não se espantam com o que ouvem da minha boca solitária.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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