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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 19 (Conto)

DESCONHECIDOS – 19

Rangel Alves da Costa*


Durante o enterro, que juntou uma multidão descomunal no acompanhamento, não se falou noutra coisa senão na revelação feita pelo coronel Apogeu de que Madame Sofie era a verdadeira mãe do falecido Gegeu.
No dia seguinte, quando os ânimos estavam mais comedidos e a vida em Mormaço aos poucos ia voltando à normalidade, a jornalista Cristina resolveu que seria hora de procurar Madame Sofie.
Logicamente que não seria oportuno que fosse visitá-la para fazer perguntas sobre o seu passado com o coronel nem sobre como se sentia em ser mãe naquelas condições. Ao menos naquele momento não seria ético nem decente, pois tudo ainda estava muito sentimentalmente presente. O seu interesse era outro.
O que movia a jornalista na sua sede de informação era simplesmente saber um pouco mais sobre a mocinha Soniele, a prostituta tão falada e decantada, uma das responsáveis por aquela tragédia, segundo largamente comentavam. Não forçaria nada, apenas procuraria obter da ex-patroa algum tipo de informação mais aprofundada sobre a vida e o paradeiro dela.
Não sabia bem explicar o porquê, mas a história daquela menina a deixava muito entusiasmada, com vontade de investigar com mais fôlego e profundidade e quem sabe escrever alguma coisa mais consistente sobre o mundo da Jasmim de Fogo.
Assim que deixou o hotel, sobre o qual ainda não havia tido tempo de fazer qualquer avaliação, seguiu para a praça, ficou observando ao redor e percebeu que a mansão do coronel parecia fechada. Depois soube que o mesmo tinha viajado para uma de suas fazendas mais distantes.
Como seu intento era procurar imediatamente Madame Sofie, a primeira pessoa que perguntou onde ficava o cabaré simplesmente a olhou da cabeça aos pés e com um sorrisinho desconfiado se retirou olhando pra trás. Só a muito perguntar e ser olhada desse mesmo jeito é que conseguiu enfim avistar a casa de prostituição, o lupanar mais famoso, como se dizia nos tempos mais antigos.
O velho casarão que servia de residência e negócio para Madame Sofie não apresentava nenhum letreiro, nenhuma faixa indicando ser ali comércio de sexo, nada. A região inteira já conhecia e por isso mesmo se constituía num endereço dos mais visitados, principalmente pelos homens.
Principalmente porque as más línguas juravam que mocinhas tidas como sérias e até mulheres casadas freqüentavam o ambiente às escondidas, entrando sempre pelos fundos. Para estas havia um reservado exclusivo.
Certa feita um marido surpreendeu a prendada esposa sentada no colo e aos beijos com um rapaz que morava numa cidade vizinha. Só não teve morte na ocasião pela ação enérgica da dona do lugar, que mandou o traído esperar a esposa lá fora. Logicamente que ela saiu por outra porta e desabou no mundo. Até hoje o marido traído chora, dizem.
Diante do famoso lugar, a jornalista se encaminhou para uma porta larga e deu três toques. No mesmo instante ela foi aberta e um ambiente um tanto quanto desolado para o que se destinava surgiu à sua frente.
A moça que fez o atendimento foi logo falando: “Se veio procurar lugar pra fazer vida pode voltar. Madame Sofie não tá aceitando mais quenga aqui e as que ainda restam já estão fazendo as malas. A partir de hoje aqui não é mais cabaré não. Depois da história de Gegeu e do povo ficar sabendo que ela é a verdadeira mãe dele, então resolveu acabar com isso aqui. Quem trepou, trepou, e quem num trepou num trepa mais. Acabou. Se quiser fazer vida pode ir procurando lugar. Mas você é puta nova na cidade?...”.
“Não, não, não sou nada disso não. Desculpe, mas eu só queria falar com Dona Sofie, ela está?”.
“Estou, estou aqui sim. Peça desculpa a moça pelo que disse e traga ela até minha sala”. Era Madame Sofie, surgindo de repente de uma porta ao fundo. E num instante Cristina foi encaminhada até onde estava a velha senhora, toda pronta como sempre e cheia de joias e badulaques. Contudo, todo o enfeite que trazia por cima não conseguia esconder o semblante triste, os olhos saídos de choro, a profundidade dos entristecidos.
A senhora sinalizou um amplo sofá e pediu a Cristina que sentasse. Logo a seguir perguntou: “Você é aquela jornalista que ontem estava tirando fotografias e fazendo anotações, não é mesmo? Certamente você veio aqui para saber mais soube aquela revelação de ontem, não é mesmo? Adianto que não tenho mais nada a esconder, pode ficar à vontade para perguntar”.
Então foi a vez de Cristina falar: “Eu estava lá sim. Meus pêsames pelo ocorrido com o seu filho. Na verdade, se for possível a senhora poderá falar também sobre isso, mas o que realmente me traz aqui é o interesse de saber um pouco mais sobre uma certa Soniele. A senhora conhece ela, não é mesmo?”


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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