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domingo, 13 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 23 (Conto)

DESCONHECIDOS – 23

Rangel Alves da Costa*


A mocinha Carol certamente que era muito inteligente para muitas coisas, porém infelizmente para aquelas mais reprováveis ou menos aceitas socialmente. Por vezes sabia muito bem o que queria, dividindo o seu tempo para situações bem distintas e localizadas.
Nunca quis estudar, isso é verdade. Continuava enganando os pais e estes sequer perguntavam o que planejava no futuro profissional. Do jeito que ia dificilmente prestaria concurso vestibular ou até mesmo encerraria o chamado ensino médio. Bastava que ela dissesse que estava tudo bem e avisasse que estava precisando de dinheiro, e pronto, tudo se resolvia. O diálogo familiar se resumia a isso.
O tempo destinado às atividades de aprendizagem era transformado em instantes de encontro com a galera pesada da amiga Bagaceira e sua turma. O namorado atual desta, um tal de Estripulia, um garoto com mais de dez passagens pela polícia, já havia incumbido a namorada de arranjar um jeito de organizarem uma festinha lá na casa da riquinha, à beira da piscina.
Noutros instantes Carol se deslocava até os shoppings para gastar no que queria, se encontrar com outras turmas de colegas, estes uns vagabundos da classe média e alta, para fazer arruaças por onde passavam, quebrar vitrines e desandarem em correria. Os seguranças até gostavam que fizessem isso porque garantiam um dinheiro extra, que nunca era pouco. Muitas vezes mandavam fechar choperias somente para pintar e bordar como quisessem.
Assim, no meio e no convívio com as drogas e os seus fantasmas vivia Carol por instantes; noutros lhe sobressaia a riquinha e ia se esbaldar pelos shoppings, boates e outros locais escurecidos da noite. E ainda assim todos os dias saía de casa dizendo que ia estudar, sendo levada até o colégio de carro porque dizia que não gostava de dirigir.
Virgindade, esse símbolo de pureza sexual na mulher ela nem sabia direito com quem havia perdido, tendo apenas certeza que havia sido com alguém da turma de Bagaceira. Para isso a amiga era muito boa, pois sempre arrumando novos namoradinhos barra pesada. Porque Bagaceira proibiu, mas começaram até a chamá-la de minha mulherzinha. E Carol sorria com isso, achando que era apenas um gesto carinhoso. Ademais, não engravidava porque a dita amiga providenciava tudo para que isso não acontecesse.
Certa feita, passando juntamente com um amigo de igual quilate, sentados no banco de trás de um possante veículo, bem lá pelos fundos do colégio onde estudava a filha, o pai da riquinha avistou uma turma reunida de modo suspeito por ali e pediu para que o motorista fosse um pouco mais devagar.
Queria mostrar ao amigo como a mocidade de hoje estava perdida, deixando de estudar e trabalhar para ter uma vida de perdição, toda destinada os vícios e outras corrupções do corpo e espírito. E o amigo concordou, e fez mais, pois apontou e mandou que ele olhasse com atenção para uma linda jovem que acabava de levantar a cabeça.
Se o poderoso estivesse em pé teria tomado um susto de estremecer o corpo inteiro. Estava sentado e sentiu a alma sangrar quando percebeu, e não havia dúvida nenhuma, que aquela mocinha era sua filha Carol. Ela mesma, que agora deveria estar nos bancos escolares, ali em deplorável conduta e mais uma numa turma de vagabundos.
Mesmo com o ar condicionado gelando demais, começou a suar e até puxou um lenço para passar no rosto. O amigo perguntou-lhe se estava se sentindo bem, e ele apenas respondeu que sim, ordenando que o motorista fosse mais rápido porque já estavam atrasados para a importante reunião.
Ao retornar para casa, perguntou se Carol já havia chegado, tomou apressadamente dois uísques e começou a contar o episódio à esposa. “Mas não podemos tirar conclusões precipitadas. Primeiro precisamos conversar com Carolzinha e perguntar as motivações de estar naquele ambiente, naquela hora e com tais pessoas. Talvez ela estivesse fazendo um trabalho escolar e tivesse ido até ali para entrevistar essas pessoas que vivem pelas ruas”. Foi o que disse a mãe no primeiro instante.
Então o pai falou, contestando tal opinião: “Mas tenho certeza que não. Ela estava fumando ali, eu vi, e tenho certeza que não era cigarro comum não. E quais outras drogas aquela turma feia e fedorenta não usa? E do modo que ela estava parecia muito bem enturmada, muito amiga daquele grupo”.
“Ora, mas por fumar maconha não, pois as faxineiras já encontraram muitas vezes cigarros espalhados em cima da cama. Não acho nada demais porque esse tipo de droga faz parte da vida do adolescente. Ela tem de experimentar para saber se vale a pena continuar fumando ou não. E inteligente e consciente como Carolzinha é, duvido que ela leve adiante esse vício”. Disse a mãe, enquanto se olhava num espelho.
“Mas chame ela aqui agora mesmo, pois preciso saber com quantos nomes se chama agora a maconha, se também é sinônimo de heroína, crack e o escambau...”. “Eu já disse que ela ainda não chegou. E tem outra, pois talvez a culpa esteja sendo nossa, que estamos deixando ela muito desamparada. Temos que colocar mais dinheiro em suas contas bancárias, oferecer-lhe novos e ilimitados cartões de crédito e saber se ela precisa de outras coisas, como um carrão importado, por exemplo...”. Observou a mãe, numa calma de estátua.
“É talvez seja isso mesmo. Ela pode estar fazendo essas coisas por alguma mágoa da gente. Providencie as transferências, os cartões e o carro importado, o mais caro que houver. E quando ela chegar nem precisa falar nada. Deixe essa história que eu avistei ela pra lá. Acho melhor assim...”.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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