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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 26 (Conto)

DESCONHECIDOS – 26

Rangel Alves da Costa*


Quando o advogado saiu do banheiro e foi avisado do sumiço da mocinha foi outro alvoroço. Segundo ele, em toda sua vida profissional jamais havia passado por situação parecida. Sabendo que não adiantava procurá-la pelos arredores, jogou suas esperanças em encontrá-la já na casa dos pais. E foi imediatamente naquela direção.
Assim que chegou à mansão encontrou os dois em estado lastimável. Visivelmente nervosos; a mãe com aspecto de quem havia chorado muito; trocavam insultos e acusações, com um jogando a culpa no outro por tal fato ter ocorrido com sua filha única. E tanto amor demonstravam agora pela mocinha.
A mãe gritava dizendo que o pai jamais havia se preocupado em sentar para conversar com a filha, para saber como ela estava indo, se estava precisando de alguma coisa que não somente dinheiro. Dizia ainda que este via a menina entrar e sair de casa como se fosse uma estranha ou uma empregada. Com os outros ainda podia falar, mas nem olhava para a filha.
Por sua vez, este respondia e só faltava jogar pedras na esposa. E dizia que ela esses anos todos somente parecia ter tempo para as amigas, os chazinhos e encontros sociais, para viajar com adoradoras do dinheiro alheio, para viver de cima para baixo fazendo compras e mais compras, sem jamais ter sentado e falado com a filha de mulher pra mulher, de modo a senti-la e procurar perceber se estava passando por algum problema.
Ainda se mostravam raivosos quando o advogado foi convidado a entrar. E quando este adentrou na sala foi logo indagado pelo empresário sobre o real tamanho daquele caso todo, se o que vinha pela frente poderia prejudicar a sua imagem ainda mais. Foi quando a mulher interveio: “E não vai perguntar onde está e como está nossa filha não?”.
“É, doutor, desculpe, fale sobre ela. Trouxe-a consigo?”, enfim perguntou o pai. Então foi a vez do causídico ficar nervoso: “Mas ela não está aqui não? Dormiu lá em casa e sumiu antes que eu encerrasse o meu banho. Talvez tenha visto as manchetes dos jornais e fugido para outro lugar, buscando um meio de se esconder da imprensa, talvez”.
Então pediu que os pais sentassem e acalmassem e relatou todo o ocorrido. Após isso deu outra notícia desagradável: “Agora talvez ela esteja sendo procurada pela polícia, pois outro juiz decretou a prisão preventiva dela. O que poderei fazer agora é correr atrás para que os policiais nunca possam encontrá-la, subornando-os é claro. Mas vocês não podem me dar nenhuma informação sobre o possível paradeiro dela?”.
Ora, mas nem os pais, a polícia da capital ou qualquer conhecido poderia saber do paradeiro de Carol naquele momento. Ela não telefonou pra ninguém, não entrou em contato com quem quer que fosse e simplesmente viajou.
Dinheiro não lhe faltava, pois poderia dispor de quanto quisesse com seus cartões ou com os cheques. Fugiu com a roupa do corpo, mas logicamente que isso não seria nenhum problema. Se quisesse mandaria embrulhar pra levar butiques e sapatarias inteiras.
Assim, pegou o primeiro avião para a região mais estranha que lhe veio na cabeça no instante e mais tarde já estava desembarcando noutra capital. E fez isso sem saber que tinha contra si um mandado de prisão expedido, mas que mais tarde não daria em nada mesmo, diante mais uma vez da influência do dinheiro.
Chegando à capital, como seu intuito era mesmo seguir adiante, viajar pelo interior, passar um tempo descansando num local totalmente desconhecido, fez como havia feito a jornalista Cristina e pediu informações sobre o local mais adequado que deveria seguir.
E disse as características do lugar que desejava encontrar: “Quero ir para um lugar distante, onde não tenha muitos habitantes e nas redondezas tenha muito mato, muitas serras, pessoas que morem nas suas casinhas lá pelos escondidos, onde talvez passe um rio e a natureza ainda não tenha sido devastada e a vida seja bem simples e boa de se viver”.
“Então não pode ter erro. A moça compra passagem num ônibus que vai pra um lugar chamado Mormaço e chegando lá se informa sobre os outros lugares, bem assim como a moça disse, que não há de faltar opção. Só lhe garanto que a mocinha é muito novinha e bonita pra se embrenhar sozinha por esse mundão de meu Deus. Se tiver algum parente ou conhecido esperando por lá ainda vai, senão vai ter que tomar muito cuidado”.
Sabendo que o ônibus para Mormaço só partiria mais tarde, resolveu fazer umas compras e logo juntou em duas malas aquilo que lhe parecia ser essencial por enquanto. E, por mais incrível que parecesse, em nenhum momento lembrava mais aquela Carol destrambelhada, à toa, usuária de droga e largada de tudo.
Nem parecia lembrar-se de ontem, da noite anterior, da manhã, de todo o ocorrido, de nada. Ainda que cansada, tinha o semblante resoluto e feliz. Não sabia bem porque, mas estava feliz. Com tais características é que sentou na poltrona do ônibus para seguir viagem.
E foi a primeira vez que abriu uma bíblia para ler, pois havia comprado uma. E os olhos passeavam pelas palavras, no Livro de Josué:
“(...) 5. Enquanto viveres, ninguém te poderá resistir; estarei contigo como estive com Moisés; não te deixarei nem te abandonarei. 6. Sê firme e corajoso, porque tu hás de introduzir esse povo na posse da terra que jurei a seus pais dar-lhes. 7. Tem ânimo, pois, e sê corajoso para cuidadosamente observares toda a lei que Moisés, meu servo, te prescreveu. Não te afastes dela nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas feliz em todas as tuas empresas. 8. Traze sempre na boca (as palavras) deste livro da lei; medita-o dia e noite, cuidando de fazer tudo o que nele está escrito; assim prosperarás em teus caminhos e serás bem-sucedido. 9. Isto é uma ordem: sê firme e corajoso. Não te atemorizes, não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em qualquer parte para onde fores...”.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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