NO REINO DE TRINGUILIM
Rangel Alves da Costa*
Todo menino que preza sua idade, que é amigo de sua meninice, tem um rei amigo, um cavaleiro valente que lhe dá proteção, qualquer coisa que o acompanhe nas suas viagens pela magia, pelas aventuras no reino da fantasia ou como criação tão bonita que não se aparta nunca.
Não sou mais criança, infelizmente reconheço. Mas também não abdico de ser criança quando quero e procurar nos livros empoeirados, nas torres do meu quarto ou nas lembranças da imaginação, os meus amigos velhos de guerra.
Gostava muito das aventuras de Robin Hood porque o malfeitor mais honesto e bondoso do mundo; sempre quis ser um dos Cavaleiros da Távola Redonda e até guardava escondido um cálice sagrado; obedecer ao rei e defender o brasão com espada e armadura e montado num cavalo imenso era um dos maiores sonhos.
Contudo, não nego que também me encantei com aqueles moleques descritos por Charles Dickens e que andavam sofrendo e perambulando pelas ruas londrinas enfumaçadas; criei uma amizade tão grande com Zezé, aquele mesmo menininho de “Meu Pé de Laranja Lima”, que bolei um plano para ressuscitar a árvore cortada; não gostava que os outros soubessem não, mas um dia dei a volta ao mundo enquanto dormia, bem como Julio Verne descreveu. Cai da rede porque os selvagens acertaram bem no balão.
Mas tudo isso nem se compara ao maior amigo que já tive nesse reinado de heróis, aventureiros e pequenas histórias de tristezas e solidão envolvendo crianças. Não estava em nenhum livro não, ao menos que eu tenha lido. Apareceu de repente, enquanto eu estava desesperado atrás de um herói que quisesse me acompanhar e roubar a coroa do rei malvado.
Pensando num e noutro, sem achar ninguém tão valente que não tivesse medo nem de feitiçaria nem do poço assombrado do rei malvado, sem querer foi saindo de minha boca algumas palavras que me marcariam para sempre: Tringuilim, Tringulim, traga um herói pra mim que lhe dou proteção sem fim!
E Tringulim me deu a ideia, fez surgir o heroi e acabei vencendo o rei malvado. Só que daí em diante nem me preocupava mais em procurar o herói ideal para a próxima aventura em que ia me meter. Bastava dizer Tringuilim, Tringuilim e pronto, meus heróis surgiam e até um cavalo alado apareceu um dia.
Mas ficava triste com tudo isso. Tringuilim havia se tornado um ser importante demais em minha vida, obediente e verdadeiramente amigo, nunca falhando nos meus pedidos. Só que eu me aventurar por aí deixando o amigo Tringuilim esquecido, sem ao menos convidá-lo para as conquistas, não era nada justo. E já estava com a certeza de que ele também não gostava de apenas servir, ajudar, trazer os herois mais valentes e nunca ser lembrado em nada.
Um dia decidi fazer a mais perigosa das aventuras. Iria partir para uma ilha distante para roubar o caldeirão da bruxa mais malvada do mundo. Roubando aquele objeto onde ela fazia sua magia ruim e dizimava reinos e pessoas com cada mexida nos ingredientes macabros, estaria praticamente salvando a humanidade. Pensei, pensei e nesse dia resolvi invocar novamente o amigo Tringuilim, só que dessa vez para que me acompanhasse na missão quase impossível.
Tringuilim ficou contente demais, pulou, deu cambalhotas, cantou e começou a gritar evocações de batalhas: “prontos para a luta”, “os fortes sempre vencem”, “preparar, avançar, vencer”. Nesse instante, silenciosamente pedi desculpas aos outros heróis meus amigos, que talvez não estivessem gostando nada disso, e disse que ficariam descansando, pois por um bom tempo eu já teria outro companheiro de aventuras.
Assim, Tringuilim me acompanhou na luta contra os titãs, na guerra contra os fariseus, na batalha contra o imperador mal-humorado que queria implantar o império da sisudez. Mas a mais difícil mesmo foi vencer a revolta contra a idade. Um dia disse a ele que a idade estava avançando e certamente eu perderia minha infância, minha meninice, meu doce e bom tempo.
Então ele me disse que também já havia passado por esse problema. Na verdade não era mais nenhum heroi infantil como eu pensava, mas também já de minha idade. E por fim me pediu que lutássemos dali em diante em duas frentes diferentes: uma que ficava sempre sonhando e brincando e outra que ia à luta.
Fomos à luta e nem sei quando voltaremos. Talvez mais nunca, Tringuilim. Essa batalha é difícil demais de ser vencida...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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