DESCONHECIDOS – 30
Rangel Alves da Costa*
O maluquinho já havia deixado os dois e seguia catando pedra estrada adiante. Antes de agradecer as informações repassadas pelo homem da terra, o profeta Aristeu perguntou onde morava aquela pobre criatura sem juízo que Deus conservava no mundo.
“Toinho tem mais idade do que a gente imagina, mas parece criança. E pra você vê, mora sozinha uma criatura dessa. Mora bem ali naquela tapera por trás daqueles pés de moita. Na casinha mermo quase num fica, preferindo tá bateno perna pelo mundo, pedino de comer a um e a outro. Quando num sai é porque tá debaixo de uma jaqueira que fica bem na frente da casinha. Se assenta lá e parece que o mundo num existe mais. E eu queria saber o que uma pessoa demente dessa tanto imagina numa cabeça sem juízo pra pensar coisa certa...”.
“Pensa melhor do que nós, pensa muito melhor do que nós, pode ter certeza disso”, ajuntou o profeta. E prosseguiu: “A loucura não é má nem boa, por isso mesmo de feição desconhecida. Mas o louco em si, que vive nessa fronteira entre o absurdo e a realidade, conhece mais das coisas do que a gente, simples mortais que não entendem um grão sequer do que se estende nessa vida e seus labirintos...”.
Espantando pelo que ouvia, o homem falou apressado: “Me adesculpe, mas num tô entendo nadica de nada disso que tá dizeno. O moço tá falano pra uma pedra, pode ter certeza. Mai tenho que ir, e tenho quer ir porque tenho o que fazer e também porque num enteno direito o que diz. Entonce...”.
Já sabendo onde o maluquinho morava, e com declarada vontade de conhecer mais de perto os labirintos daquela loucura, assim que o homem desapareceu no caminho o profeta seguiu em direção às moitas de onde podia se avistar a tapera.
Não só avistou o casebre como a enorme jaqueira que ficava logo em frente. Assim que seguiu naquela direção e já se aproximava, sentiu cair uma pedra bem diante dos pés. Toinho estava escondido e aprontando das suas, logo pensou. Resolveu pegar a pedra e jogar de volta, com força, mas numa direção qualquer.
E o maluquinho apareceu veloz correndo de dentro de casa, todo esbaforido em direção ao profeta e dizendo: “Você conseguiu matar ela, você acertou bem na cabeça dela. Minha vida todinha foi tentando matar ela e você agora acertou bem na cabeça e com uma pedrada só. Você matou ela, matou, eu vi ela gritando e caindo morta, bem ali, bem ali, olhe...”.
O profeta ficou sem entender mais nada. Olhou de um lado pra outro e a não ser o maluquinho todo apavorado e agitado, não conseguiu ver nada caído nem morto. “Mas o que você está dizendo criatura de Deus, quem foi que eu matei ou o que foi que morreu?”, acabou perguntando.
“Você matou a sombra. E porque matou a sombra, matou também um monte de gente e de coisa que se escondia dentro e por trás da sombra...”, Toinho tentava explicar, quando foi interrompido pelo profeta: “Venha cá, vamos sentar ali embaixo da jaqueira pra você me explicar esse negócio da sombra...”.
“Não quero mais sentar aí não, mais nunca vou sentar aí debaixo dessa jaqueira. Se a sombra já tá morta, então não tenho mais que ficar aí horas e horas pensando como matar ela. Passei quase toda minha vida aí debaixo pensando em acabar com ela de vez, mas nunca pensei em jogar uma pedra na maldita, só nas pessoas, que era pra mim vingar. Mas agora você chegou e acabou com tudo. Só que agora tenho que lhe pagar. Sou muito rico, o que é que você quer?”.
“Não, nada. Não precisa me pagar nada, mas só quero que me fale mais sobre essa sombra que você disse que eu matei”. Insistiu o profeta, nem mesmo sabendo onde queria chegar.
“Ah, sim, a maldita. Ainda tá ali estirada, mortinha da silva, só faltando os urubus chegar. Você não sabe a cara medonha que a mentira, a falsidade, a preguiça, a inveja, a maldade, a ignorância e um monte de outras coisas fizeram quando você acertou a sombra. Elas achavam que não iam morrer nunca porque eu tentava matar mas não conseguia, até que você mostrou que tem gente mais valente do que a sombra...”.
“Mas a sombra era só isso?”, perguntou um profeta meio desapontado. “Não, de jeito nenhum. Com a morte da sombra agora vai ser cumprida a profecia...”. Tais palavras atiçaram imediatamente o profeta, que arregalou os olhos e perguntou que profecia era essa.
“Só vou dizer por que você matou a sombra. Amanhã mesmo vou cortar essa jaqueira...”. Agora totalmente desesperado, Aristeu balançou o maluquinho e falou: “Deixe esse negócio de jaqueira pra lá. Diga logo de uma vez que negócio de profecia é esse”.
“Ah, sim, a profecia. É a profecia do rio e das pessoas que vão em direção a ele...”.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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