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sábado, 26 de fevereiro de 2011

A CORRESPONDÊNCIA DE BEN STRIK (Crônica)

A CORRESPONDÊNCIA DE BEN STRIK

Rangel Alves da Costa*


Ao entardecer deste último dia 23, fevereiro de 2011, estava eu tecendo meus escritos com pedra e cinzel quando me chega uma correspondência de longe, bem longe, e enviada por alguém que jamais imaginaria fosse lembrar-se de minha existência nesses tristes trópicos.
Com efeito, a missiva partiu da Holanda como cartucheira e munição para as minhas guerras de sempre. Insurgente como sempre sou, vez que para mim todo estabelecido com o tempo é corrompido, as palavras que me chegaram animaram o combalido combatente a reerguer as trincheiras na guerra chamada verdade. Depois conto por que.
Em outras vertentes do mundo, lá pelas bandas do continente europeu, nos chamados países baixos, atualmente reside essa pessoa que passo a citar agora. Trata-se de Pater Bernard Strik, ou simplesmente Ben Strik, um senhor de 88 anos, ex-partisano da guerra de 40-45, padre casado, que dedicou boa parte de sua vida sacerdotal à difusão de uma igreja verdadeiramente mais presente junto às populações pobres e carentes, principalmente nas regiões mais distantes e esquecidas do Brasil.
Sacerdote, escritor, cantor, palestrante e senhor de todas as lutas, nasceu em 1923 e lutou contra os nazistas alemães na Segunda Guerra Mundial. Sua luta contra o nazismo custou dois anos num campo de concentração na Alemanha. Depois se tornou sacerdote salesiano e em 1950 partiu para o Brasil onde trabalhou até 1972 entre indígenas, jovens e camponeses.
Voltando à Holanda, casa-se (Patty, sua esposa) e cria, já completados 75 anos, três fundações de ajuda ao Brasil: Brasil op Weg, Frei Tito de Alencar Lima e Brasilhoeve. Adepto e defensor da Teologia da Libertação, a partir daí recomeça sua peregrinação missionária pelo país, agora para sentir os resultados das sementes que havia plantado. Sempre inspirado na visão de uma igreja materialmente construtiva, se lançou ainda a outros projetos, catando recursos aqui e ali, para levar adiante seu sonho de transformação social.
Como afirmado, Ben Strik é um missionário inconformado, consciente de sua importância na criação e difusão de inúmeras obras religiosas e sociais. E fazia isto porque conhecia os problemas de perto, não se permitindo ficar somente dentro da igreja sem compartilhar dos problemas dos fiéis ao redor e muito mais distantes.
Ao chegar ao Brasil para cumprir sua missão, aqui estudou e trabalhou 22 anos como padre Salesiano de Dom Bosco. O reconhecimento pela sua dedicação às causas missionárias pode ser visto na profunda amizade que adquiriu junto a Dom Paulo Evaristo Arns, que com festejou naquele país baixo o segundo lustro de uma de suas fundações. Do mesmo modo mantinha estreitos laços de amizade com Dom José Brandão de Castro, falecido arcebispo da Diocese de Própria, em Sergipe, e um dos religiosos mais influentes do Nordeste.
Na sua peregrinação na aridez sertaneja, formou com os grupos de base da igreja católica uma verdadeira cruzada para ajudar os fiéis a conquistaram meios de sobrevivência digna, através do trabalho e da produção. Neste sentido, em 1986 esteve presente na primeira ocupação que os trabalhadores empobrecidos fizeram na improdutiva fazenda Barra da Onça, município de Poço Redondo, em Sergipe. Até hoje o MST reconhece o seu apoio para que as outras grandes conquistas se tornassem possíveis.
Natural da Holanda, neste e em outros países europeus empreendeu uma verdadeira via-crucis para adquirir recursos e investimentos para serem repassados às obras sociais que criou por todo o país. Neste sentido, criou ONG’s, Associações e Fundações que continuam dando excelentes frutos em estados como Rondônia.

A descoberta de semelhanças marcantes entre a sua vida e a de Frei Tito de Alencar Lima, deu a Ben Strik a idéia de fazer ouvir as razões que o levaram a dar sua vida por seus compatriotas oprimidos e abandonados. Daí esse seu inconformismo e luta para mudar a realidade social opressora.
Foi essa semelhança com o Frei Tito que o levou a escrever a biografia desse religioso dominicano vitimado pelas perseguições e atrocidades da ditadura militar. Originalmente escrito em holandês e depois traduzido para o português, “Morrer para Viver” foi prefaciado por Frei Betto e lançado no Brasil em 2009.
Frei Tito contava 28 anos quando morreu na pequena Évreux, nos arredores de Lyon, na França. O Brasil estava longe, mas o frei dominicano carregava na bagagem a memória dos sofrimentos que passara no País. Corria no ano de 1974, e com ele se chegava à triste marca de uma década do regime militar brasileiro. O sofrimento ao qual Frei Tito havia sido submetido - variados tipos de tortura física e psicológica - ainda era imposto a muitos dos opositores do regime. Ainda atormentado pelas dores da tortura nas mãos dos militares, Frei Tito deu fim a sua própria vida em 10 de fevereiro daquele ano. Registrou num bilhete: "só posso viver se morrer".
Em síntese, “Morrer para Viver” descreve a biografia de Frei Tito de Alencar Lima desde seu nascimento em 1945 até sua morte na França em 1974. Sua maneira de pensar, seus ideais. Sua luta contra a ditadura e seu exílio. Seu sofrimento depois das torturas físicas e mentais e sua morte. Para compreender seus motivos o livro esboça a negativa histórica do Brasil desde 1500 até hoje como a causa de seu idealismo fabuloso, como bem acentua a apresentação do livro.
Contudo, a correspondência que Bem Strik me dirigiu não foi para falar de sua obra nem dos seus planos, embora tenha me revelado que está concluindo um novo livro. Contou-me ter lido um artigo meu que citava sobre o prefeito municipal de Poço Redondo, Frei Enoque Salvador de Melo. Daí sentir interesse em fazer algumas observações sobre o caráter desse político-religioso e o fez com precisão.
Tais aspectos depois contarei, mas adianto que a indignação maior de Bem Strik com relação ao Frei Enoque diz respeito principalmente aos abusos e absurdos cometidos por este quando do planejamento e construção do centro de Formação Agrícola Dom José Brandão de Castro, localizado em Poço Redondo, no sertão sergipano.
Como não estava sendo permitido que movimentasse o dinheiro que era arrecadado, através de ONG’s e outros mecanismos do exterior, para a construção do Centro de Formação Agrícola, Frei Enoque boicotou até quando pôde a referida obra, numa verdadeira trama de arrepiar.
Mas tais aspectos, como já afirmei, serão contados detalhadamente depois.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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