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sábado, 19 de fevereiro de 2011

INUSITADO (Crônica)

INUSITADO

Rangel Alves da Costa*


Depois de passar grande parte da adolescência lutando consigo mesmo para conviver e assumir sua opção sexual, depois de tanto lutar para vigiar-se perante a exposição de sua verdadeira sexualidade, e ainda depois de enfrentar barreiras familiares e sociais para dizer ao mundo que era homossexual, quando tudo foi vencido e caminhava na maior normalidade, eis que surge o inusitado.
Parece mentira, mas após esse enfrentamento todo lhe vem novamente os impulsos da sexualidade e o coloca sem saber o que fazer da vida. Quando esse verdadeiro problema começou a surgir parecia que ia enlouquecer, e realmente pensou mesmo em fazer terapias, freqüentar terreiros de macumba e se ajoelhar diante de todas as promessas do mundo.
Certa vez pensou em se matar, mas cismou que só ficaria chique se fosse se jogando debaixo do trem. Mas não era qualquer vagãozinho, maria-fumaça qualquer não, pois só serviria um vagão enorme e transportando caixas e mais caixas de perfume, que era pra quando estivesse sob os trilhos o aroma se desprendesse e fosse velar o seu corpo sem vida.
Não deu certo. Contudo, continuou amargando problemas e mais problemas, porém sem nenhuma razão, segundo poderia muito bem constatar alguém que fosse de sua proximidade. Ora, já tinha vencido uma verdadeira guerra para ser respeitado perante os seus impulsos mais secretos e os seus desejos mais escondidos, que era assumir-se gay. Agora não tinha cabimento viver nesse drama todo.
Tudo começou a ocorrer quando passou a se envolver com um conhecido, pelo qual já olhava adoçado há certo tempo e as pestanas estremeciam todas as vezes que estavam diante do belo rapazinho. Verdade é que começaram a se relacionar muito bem e os dois passaram a assumir publicamente a condição de namorados, com planos de algum dia juntar os trapos num mesmo saco.
Ciumento, ou ciumenta, em demasia, tudo fazia para agradar o seu caso, dando-lhe presentes e mais presentes, procurando saber se estava com algum problema, dando a terra e prometendo o céu, pois o amor era verdadeiramente ardente e incontido. Nem de perto as grandes paixões descritas por Shakespeare poderiam ser comparadas aos sentimentos que envolviam o alegre e contente rapaz.
Mas não era paixão de mão única, daquelas que nascem queimando tudo e depois vão arrefecendo até se tornar em cinzas frias e inoportunas. Era paixão verdadeira, vivenciada pelos dois, pois o rapazinho, mesmo sem expressá-la tão emplumadamente como o outro, ainda assim era a mais pura felicidade.
Quando tudo se encaminhava às mil maravilhas e já se cogitava em tornar cada vez mais real e presente aquele amor, através da celebração de uma união socioafetiva – que é como chamam o casamento entre pessoas do mesmo sexo -, eis, contudo, que o inusitado verdadeiramente faz uma surpresa e o gay assumido chamou o companheiro e disse-lhe algo surpreendente.
E contou aos prantos que estava muito agradecida por ele tê-la tornado tão verdadeiramente mulher, ter amado e se entregado tanto como jamais esperava amar na vida, mas por já se sentir tão mulher e tão assumidamente mulher é que a relação estava acabando naquele momento, pois ela já estava perdidamente apaixonada por outra mulher, e mulher verdadeira, do sexo feminino. Não tinha mais dúvidas, reconhecia-se agora como verdadeira lésbica.
Assim, o rapazinho que um dia se reconheceu gay, depois se reconheceu totalmente mulher, e depois se reconheceu lésbica porque mulher caiu apaixonado aos joelhos de uma bela jovem. E parecia amor para mais de mil anos, eterna paixão. E gostou tanto da fruta que cismou que naquela relação ele era o homem dali em diante. Então a outra perguntou se gostava de fazer às vezes de homem enquanto lésbica, então ele respondeu que até gostaria se tivesse nascido homem.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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