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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A SOLIDÃO DO LADO DE LÁ (Crônica)

A SOLIDÃO DO LADO DE LÁ

Rangel Alves da Costa*


Imaginar a solidão é um ato mais solitário do que vivê-la, disso tenho plena certeza. E minha convicção é fruto da própria ideia que temos da solidão, como sendo uma predisposição comportamental que envolve o agente num estado de angústia, dor, aflição, sofrimento e um profundo silêncio querendo gritar.
Tudo isso já demonstra um quadro muito dolorido. Assim, se a gente imagina que o outro vive na solidão logo vem à mente um sentimento de piedade e compaixão. E a imagem que chega do outro sempre vem acompanhada de um quarto fechado, de janela que bate sem que ninguém vá até o portal ver o horizonte, de cabeça baixa e lágrima derramada, de pessoa sozinha num ambiente sombrio e triste.
Às vezes é assim mesmo, num quadro até pior do que isso, pois os ambientes domésticos poderiam ser transformados em precipícios, abismos, profundezas escurecidas de Dante. Outras vezes não, é a solidão em si mesma, teimando em tornar ilha pessoas com realidades para serem vividas por todos os lados.
Escrever é apenas um dos muitos atos solitários que me acompanham desde o acordar ao não dormir. Contudo, neste momento que escrevo solitariamente e só não consigo absorver as consequencias e as feições da solidão, como o entristecimento e a desilusão, vez que é este sentimento nos outros que me toma. Estou vivendo a sua feição, o seu ambiente e o seu mundo de solidão. Sei como ela é porque imagino como ela está sendo em você.
Você até que pode estar fazendo tudo para mostrar alegria, ter gestos de felicidade, sorrir. Os gestos não apagam os sentimentos, contudo. Se é na alma que mora e de onde se expande a solidão, a cortina pode estar aberta para a comédia, mas o ator de si mesmo vive sua tragédia interna.
Gostaria que não fosse assim, que ao menos as expressões corporais pudessem esconder o que vive na alma, mas o olhar infelizmente não permite negar a existência de um solitário. Se neste momento você seguir até o espelho mais próximo e quiser se enxergar certamente não irá se encontrar do outro lado.
É que no solitário o olhar é ao mesmo tempo distante e vazio, parecendo querer encontrar algo em tudo e em lugar algum. E se você olhar nos olhos de um solitário perceberá que eles não miram, apenas se lançam e se estendem sem direção.
Aí do outro lado estou vendo você sorrindo do que digo. Ora, não há do que se sorrir, não encontra motivação alguma para o sorriso, então entreabre os lábios para fingir contentamento. No mesmo instante que o lábio se fecha o olho está pronto para chorar. Nada disso corresponde a um estado espiritual que muda. Pelo contrário. O solitário vive forçando aparências para colocar um véu transparente sobre o seu vulcão. E não há como fingir por muito tempo.
E ali adiante novamente o canto da sala ou do quarto; novamente a fronha molhada; novamente a janela aberta e uma paisagem inexistente; novamente esse mal-estar, essa lembrança, essa saudade, essa vontade de gritar, essa fotografia, esse copo, esse veneno, essa dor, essa vontade de despedida sem adeus.
O pior é que “Chove lá fora e aqui tá tanto frio. Me dá vontade de saber... Aonde está você? Me telefona. Me chama, me chama, me chama... Nem sempre se vê lágrimas no escuro, lágrimas no escuro... Tá tudo cinza sem você, tá tão vazio. E a noite fica assim porque... Aonde está você? Me telefona. Me chama, me chama, me chama... Nem sempre se vê mágica no absurdo, mágica no absurdo, mágica... Nem sempre se vê lágrimas no escuro, lágrimas no escuro, lágrimas... Nem sempre se vê mágicas no absurdo, mágica no absurdo, mágica... Nem sempre se vê lágrimas no escuro, lágrimas no escuro, lágrimas...”.
Cadê você?



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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