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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 5 de fevereiro de 2011

NOSSA IDADE (Crônica)

NOSSA IDADE

Rangel Alves da Costa*


Tenho dois anos de idade, quarenta e sete, vinte ou cinqüenta, tanto faz. Poderia ter mil anos ou mais, ter a idade que quisesse ter, sem necessariamente me pautar por qualquer calendário.
Meu espírito cansado, meu olhar triste e meu corpo alquebrado não cabem nos meus dois anos, sei bem disso. Não vou ficar com chupeta na boca pra cima e pra baixo tendo vinte anos. Tem gente que faz isso, mas acho um pouco inadequado. Do mesmo modo, não concebo como necessário estar soltando pipa ou jogando pedra na vidraça da vizinha com meus quinhentos e tantos anos.
Um dia, quando subi na montanha para falar comigo, ouvi minha voz me ensinando três lições essenciais para sobreviver. Sobreviver sim, e não viver, que é muito mais difícil. E as tais lições, simples e de fácil entendimento, eram as seguintes: queira nascer, valorize o seu nascimento e esqueça sua idade.
Desse momento em diante passei a ver minha idade com a mesma idade do mundo, sem um ano a mais ou a menos. Pensando assim, tanto faz ter dois ou mil anos se qualquer idade que eu tenha está em perfeita consonância com a idade do mundo.
E se o mundo afirma que só cabe nele quem sabe e merece viver, então eis o mistério desvendado para a pessoa ter quantos anos quiser.
Ter cem anos e ainda assim não saber viver é o mesmo que não ter idade alguma, pois tanto faz ter nascido ou não. Se com dez, quinze, vinte anos a idade pouco importa diante da voracidade de se fazer presente ativamente no mundo, então essa busca será eterna e o idealizador jamais envelhecerá.
São exatamente dois espelhos que falam melhor de sua idade do que você. O primeiro, aquele pendurado na parede e que você tanto se olha para ver se está bonito e com aparência jovem, é perigoso e extremamente mentiroso.
O espelho da parede é sórdido e frio. E nunca confie em algo que não reflete você por completo, mas apenas a aparência. Tanto é verdade que muitas vezes você se olha e sabe que está muito mais jovial do que aquela triste figura que aparece do outro lado.
Já o outro espelho, aquele que está dentro de você e reflete honestamente todos os sentimentos, não pode ser colocado na parede mas estará diante de ti em todos os lugares e em tudo que estiver fazendo ou pensando em fazer. Sua tristeza não pode ser negada, muito menos sua extrema felicidade, pois tudo está espelhado nas suas ações.
É, pois, no espelho da alma, que reflete espírito e corpo, que está a minha, a sua, a idade de cada um. Nossa idade está ali refletida para sempre, sem que se possa diminuir ou acrescer um ano sequer. Sem rugas ou chupeta na boca, ali estará a vida feito uma escultura em busca de perfeição e apta a ser moldada a cada dia.
E se você sabe que já viveu mil anos de aprendizagem e quer viver mais dois mil anos em busca de outros aprimoramentos, certamente que ele aceitará de bom grado seus desejos e sua idade, pois o que o espelho da alma mais anseia é pela imortalidade da alegria e vontade de viver no ser humano.
Assim, a nossa idade é a idade da imortalidade e da eternidade. Os que nascem e vivem em comunhão consigo mesmo e buscando sempre se aperfeiçoar viverão infinitamente, pois nunca lhes parece ter chegado a hora de partir, senão querer construir e construir muito mais.
Agora vou dizer minha idade: nesse momento estou chorando ao nascer, com poucas horas nesta vida. E sei que amanhã vou nascer de novo, pois quero me eternizar na vontade de viver.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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