SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 24 (Conto)

DESCONHECIDOS – 24

Rangel Alves da Costa*


Naquela noite que o delegado telefonou para a casa dos pais dizendo que Carolina estava presa, ainda nesse dia a mãe dela já havia providenciado tudo conforme o combinado com o pai.
Uma vultosa quantia em dinheiro havia sido depositada nas três contas diferentes que ela dispunha, as chaves do carro já estavam embrulhadas para presente em cima de sua cama, até estavam pensando em mandar que organizasse uma grande festa na mansão e convidasse quem ela quisesse. A festa era dela, de modo que sentisse que os seus pais se preocupavam com a sua satisfação.
Após o encontro festivo que o casal ofereceu a amigos na noite do ocorrido, os dois foram dormir sem ao menos lembrar que havia um problema grave acontecendo com a filha, sem procurar saber se o advogado já tinha ido lá e resolvido a situação, sem telefonar para este para obter informações, sem saber se Carol já havia sido liberada ou continuava detida.
Não haviam recebido outras informações sobre o caso simplesmente porque deixaram os telefones desligados, afirmando que era para não serem incomodados enquanto estivessem com as visitas. Assim, por mais que o advogado e o delegado telefonassem, não puderam ser informados de que a situação era muito mais difícil do que todos imaginavam e que nada ainda havia sido resolvido.
Ao chegar à delegacia e procurar o delegado amigo – que só continuava no plantão porque sabia que algum dinheiro rolaria naquela noite -, o advogado foi chamado à sala deste e começou a ouvir o se relato:
“Junto com ela foram presos mais cinco pessoas. Como você mesmo sabe, se configura crime de formação de quadrilha ou bando. Além do roubo propriamente dito. E todos foram presos em flagrante arrombando uma joalheria na zona sul. Após analisarem filmagens de outros assaltos realizados por bandos nos últimos meses, foi constatado que era esse mesmo bando que já vinha agindo da mesma forma. Então, a filha de nosso amigo está envolvida até o pescoço nisso tudo, pois já está confirmado que ela participou ao menos de três outros assaltos. E a turma que está com ela é pura barra pesada. A tal de Bagaceira e o Estripulia já estavam na mira da polícia há muito tempo. Ele, por exemplo, tem uma ficha policial de mais de metro. Os outros nem se fala. Desse modo, a situação da menina está muito complicada. E não posso nem arbitrar fiança nesse caso. A não ser que...” E o delegado roçou um dedo no outro.
“Ah! Sim, já ia esquecendo. O nosso amigo lhe mandou um presentinho de entrada. Veja aí o que pode ser feito. Preciso sair daqui com ela liberada ainda hoje, senão a imprensa vai chegar e vai começar a melar tudo. E também tem o meu nome de advogado no meio. Já pensou se noticiam que cheguei numa delegacia e não consegui soltar o meu cliente?”. Disse o advogado.
“É, mas tudo tem a primeira vez, pois nesse caso não posso garantir que vai sair daqui com ela não. Lembre que é uma quadrilha que vinha agindo há muito tempo. Uma quadrilha e não uma pessoa só. E quadrilha perigosa, com criminosos que arrepiam a sociedade. Na verdade, perto deles ela é fichinha, é peixe pequeno, é quase inocente. Mas ela estava no meio, também assaltando, nessa e nas outras vezes, então o problema é esse. A não ser que...” – E coçou novamente os dedos.
“Ah, tá bem, tá bem. Tome aqui esse outro presentinho. E o que pensa em fazer agora?”. Perguntou o causídico, enquanto preenchia outro cheque. Com os olhos brilhando e passando avidamente uma mão na outra, a autoridade policial respondeu: “Amanhã vamos ter de apresentar essa quadrilha à imprensa. Não gosto disso não, mas é ordem lá de cima, coisa para dar satisfação à sociedade do trabalho realizado pela polícia. Vou fazer de tudo para que a mocinha não apareça. Seria o fim do mundo se a filha do patrãozinho aparecesse nas televisões como uma das envolvidas nesses assaltos. Não quero nem pensar nisso. Mas o mais importante vou dizer agora...”. E chamou o advogado para um canto, quase segredando ao ouvido:
“Já mandei viciar o auto de prisão em flagrante. Mandei omiti coisas essenciais e colocar outras que tornam o auto sem nenhuma serventia jurídica. Diante de um laudo desse tipo, cheio de vícios e imperfeições, qualquer juiz manda relaxar a prisão na hora. E fiz mais, pois você pode agora mesmo pegar a cópia do laudo e dar entrada num pedido de relaxamento de flagrante daqui a meia hora lá com aquele juiz plantonista nosso amigo, no fórum de vidro azul. Ele já está lá lhe aguardando. É só chegar com o pedido e ele defere no mesmo instante, nem vai precisar ler toda a petição. Só tem uma coisa. É que ele me pediu para que você deixasse a parte dele aqui comigo, que é para não correr o risco de algum olho por lá enxergar o que não deveria. Diante da situação e da moça que vai ser liberada, dessa vez é dobrado, ele disse. E tem ainda também o presentinho do rapaz que modificou o flagrante. Passe logo tudo e pode ir até lá que estarei esperando para liberar ela. Mais uma vez o seu nome vai sair por cima, isso eu garanto”.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: