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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 35 (Conto)

DESCONHECIDOS – 35

Rangel Alves da Costa*


Carlinhos até ficou assustado com o inesperado gesto da viúva, em prantos e tomada de nervosismo, num misto de euforia e temor. Rapidamente retomou suas explicações para ver se ela se acalmava:
“Calma Dona Condessa, calma. Tenha paciência que o que vou dizer não é coisa do outro mundo não. Quando eu disse que ele ficaria curado a não ser que ocorresse um problema, quis apenas dizer que o meio que acolhe é o mesmo meio que rejeita. Se ele chegar naquela terra, que é o verdadeiro lugar de sua raiz, e não agradecer a graça divina da sua origem, então as forças da terra se revoltarão contra ele e aí tudo será pior...”
“E que forças da terra são essas, meu filho?”, perguntou a ainda aflita Condessa.
“Ora, Dona Condessa, antes de falar sobre as forças da terra será preciso primeiro que saibam o que a terra espera de um filho seu...”. “Talvez isso seja interessante, continue”, interrompia a senhora, compreensivelmente. E prosseguiu o menino:
“O que sopra no meu ouvido me diz que a terra não cobra de ninguém além daquilo que todo filho deve fazer em relação aos seus pais, à sua família, às suas raízes. Penso que todo filho que se preze deve defender aquele chão que lhe deu origem para a vida e para o mundo; toda terra e todo berço, por mais secos e feios que sejam, sentem prazer e orgulho quando a sua raiz, que é seu filho, procura preservar contra as maldades e destruições; terra que é terra gosta que o seu filho encontre belezas nas coisas humildes e simples, numa flor do campo, num pé de melancia, no sol do meio-dia. E como deve ser bonita a natureza de lá. É isso que gosta que seu filho sinta e se orgulhe. Qual a terra que não goste que a sua semente vá espalhar pelo mundo a sua grandeza, ainda que lá exista somente pobreza e sofrimento? Toda terra, Dona Condessa, amigo Yula e Dona Doranice, deseja que todos os seus filhos, sejam ricos ou pobres, pretos ou brancos, formem uma corrente como uma raça só, como se de uma única família e sem qualquer tipo de diferença. Daí que quando o filho nasce lá, vive lá, ou nasce em outro lugar e qualquer dia bate novamente à sua porta, tem que observar essas coisas, tem que reconhecer e valorizar o seu chão. Tendo o devido respeito e cuidando do seu berço de nascimento, não há dúvida de que a terra reconhecerá tudo na medida certa, dando a cada um a felicidade que merecer. E isso tem muito a ver com você Yula...”.
Ouvindo Carlinhos falar com tamanha desenvoltura e sobre um assunto que nem todos os adultos eram capazes de expor com tanta certeza, a sua nova protetora, a viúva Doranice, sentia o coração encher-se de alegria e os olhos marejarem de orgulho e os outros sentimentos que nem podia compreender.
“Belas palavras meu filho, maravilhosas palavras. Prossiga que sinto que agora vem a parte mais conflitante do nosso dilema, pois até antevejo no que vai dizer toda sorte do meu rapazinho”. Entre soluços, foi o que conseguiu dizer a velha Condessa.
“Na verdade, eu acho que já tá mais que esclarecido. As coisas até parecem que juntaram para ajudar o nosso amigo Yula. Se ele precisa de tratamento, ao invés de ter que precisar de hospital vai procurar sua cura dentro de sua própria casa, onde ele não se lembra bem, mas que jamais se esqueceu dele. Aquela região toda é como se fosse uma casa pra ele, onde vai ser acolhido, amado e cuidado. E certamente curado, dependendo dele. Isto porque, como eu já expliquei, cabe a ele reconhecer tudo isso e demonstrar que sente orgulho e satisfação em estar retornando e, acima de tudo, praticar ações perante aquele povo e o seu meio que dignifiquem sua condição de conterrâneo e benfeitor. E como você certamente verá por lá, não faltarão oportunidades para que mostre o seu jeito bom, a pessoa humana que você é, o quanto tem vontade de ajudar no que for possível. Como vocês bem sabem, pois a televisão não se cansa de mostrar, se existir uma casa pobre essa estará lá, se existir um povo que necessita tanto de ajuda, também estará lá. Certo que existe também muita gente rica, mas isso é apenas para mostrar que em todo lugar existe contradição. No fundo do fundo, o que os seus olhos mais encontrarão serão seus irmãos humildes, trabalhadores demais, mas sobrevivendo apenas com a medida certa para alimentar os meninos. Nem tudo é assim, mas é quase sempre assim...”.
“Mas meu filho, de onde tiraste tantas lições e tantos ensinamentos, tantas palavras sábias e tantas verdades? Uma pessoa na sua idade não é capaz de ter tamanha inteligência e de fazer uma reflexão tão profunda. Conte-nos meu filho, foi nas ruas que aprendeste tantas coisas?”. Indagou a contente e comovida Doranice.
E na ponta da língua Carlinhos respondeu: “Nas ruas também Dona Doranice, e como as ruas ensinam a gente. Aprendi tanta lição na rua que dava pra ser doutor de qualquer coisa, mas isso que eu disse nada tem a ver com marquises, esquinas ou pão amassado do lixo não. Nem me perguntem que não sei explicar, mas uma força superior e diferente me dá sabedoria e palavras para dizer o que disse. Mas o melhor é que não apenas falei, como ficou dentro de mim cada palavra que eu disse”.
Mais calmo e encorajado, o rapazinho Yula falou em tom de brincadeira: “Eis aí nosso profeta. Vamos viajar com um profeta ao nosso lado e assim não seremos surpreendidos por nada”.
“Você que pensa Yula. Profeta das coisas da terra é o povo que vive lá, mas certamente um profeta de outras profecias você irá encontrar. E quando esse dia chegar sua história será revelada”. Disse Carlinhos.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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