SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

"ÀS VEZES NO SILÊNCIO DA NOITE..." (Crônica)

“ÀS VEZES NO SILÊNCIO DA NOITE...”

Rangel Alves da Costa*


Peninha compôs e o meu coração solitário canta noite adentro: “Às vezes no silêncio da noite/ Eu fico imaginando nós dois/ Eu fico ali sonhando acordado/ Juntando o antes, o agora e o depois/ Por que você me deixa tão solto?/ Por que você não cola em mim?/ Tô me sentindo muito sozinho/ Não sou nem quero ser o seu dono/ É que um carinho às vezes cai bem/ Eu tenho meus segredos e planos secretos/ Só abro pra você mais ninguém/ Por que você me esquece e some?/ E se eu me interessar por alguém?/ E se ela, de repente, me ganha?/ Quando a gente gosta/ É claro que a gente cuida/ Fala que me ama/ Só que é da boca pra fora/ Ou você me engana/ Ou não está madura/ Onde está você agora?...”.
E não adianta ficar na janela, sair lá fora, caminhar pelo quintal para ver se te encontro na luz do luar, na face da lua. Da janela se espalha a escuridão que é a fotografia da saudade, da lembrança de momentos bonitos que nunca tivemos. Tudo vem na imaginação e se torna realidade, e dói mais ainda porque é realidade construída no desamor.
Caminhar pelo jardim ou quintal, ou mesmo rodear pelo quarto como indeciso, é como buscar a certeza da solidão no próximo passo e no passo seguinte. Ir mais para onde, se as opções da noite são tão claras como a luz apagada, os olhos fechados e tudo lá fora? Por isso sei a importância de se buscar no dia para que ainda reste algo ao anoitecer. Por isso que não vou mais procurar seu olhar nas noites e madrugadas, vez que o dia já me deu a certeza de nada encontrar.
Tenho certeza que não é somente o vento que sopra e faz com que as folhagens murmurem, mas vozes que falam na minha janela. Todos os sons próprios da natureza, todos os ruídos próprios do silêncio e toda a imaginação em que as palavras acontecem, vão formando frases perfeitas e inteligíveis e chamam, e clamam, e chegam a gritar que eu vá novamente à janela apenas para ouvir que a noite foi feita para dois.
Se deitado, saio da escuridão ao abrir os olhos e encontro o teto acima, num passo ultrapasso e já estou novamente na escuridão da noite, uivando alto por cima das montanhas, assustando os seres desconhecidos, vagueando pelas estradas de vagalumes. E se não me basta a terra escurecida, vou subindo esfera acima, sofrivelmente querendo subir no espaço e alcançar a lua para de lá desabar e cair bem no melhor momento do sonho.
Não sou de beber muito, não sou de viver cheirando a limão nem de copo na mão, mas essa noite parece esperar que eu me encontre no outro eu embriagado. Talvez não suportando mais a mesmice da solidão e do sofrimento, eis que a noite quer se tornar indesejável amiga e retirar o véu da sobriedade para o festim das verdades mais puras.
Pois é, mas dizem que nada é mais verdadeiro do que um bêbado balançando no copo a vida. Tudo flui tão verdadeiro que a verdade desacredita em ter chegado a tal ponto. O vinho, a cerveja, o uísque e o cigarro, neste momento se transformam em nomes de amores e antigas paixões, em ódios e saudades, em perdões e esperanças, e tudo sempre acompanhado pela lágrima, a insistência do passo que vai e vem na janela e o olhar que insiste em encontrar algum sinal lá fora, na escuridão.
Nesses momentos não adiante rasgar cartas e fotografias, revirar baús e armários, nem procurar inexistentes lembranças para destruir. A vítima era sempre o espelho, que silenciosamente observava todo sofrimento e ainda assim me mirava sem dizer uma palavra sequer, sem dizer ao menos que estou velho, feio, acabado, enrugado, entristecido, um farrapo. Pelo contrário, parece sorrir do meu sorriso todas as vezes que finjo sorrir.
Mas tenho que dar um basta nessa situação. Ou transformo esse estado de coisa ou me transformo completamente numa coisa. Amanhã vou procurá-la e dizer que não precisa me aceitar novamente, mas que mudei, e mudei completamente. Tão completamente mudei que não passarei mais minhas noites trancado num quarto e mais sombrio do que a escuridão que brilha ao redor. Agora vou dormir embaixo da sua janela.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Toninho disse...

Ah, meu amigo, esta fera indomavel quando nos assalta não tem pajé que dê jeito.É este vagar sem rumo pelas lembranças, é ficar rodando em circulo na espera do bote final.Este vazio que nada preenche.Esta falta de calma que abraça a alma.É se deixar levar e deixar que o tempo voe rapidamente.Muito bom mesmo esta cronica sobre este sentimento terrivel.Meu abraço.