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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 20 (Conto)

DESCONHECIDOS – 20

Rangel Alves da Costa*


Diante da pergunta da jornalista, ao invés de sentar, Madame Sofie caminhou em direção à janela que dava para um quintal cheio de plantas, caqueiros e xaxins. Mais adiante, após o muro, o horizonte se abria imenso naquele olhar. Foi mirando reflexivamente essa paisagem, de costas para a visita, que ela começou a falar com voz pausada e triste:
“A mocinha não tem nada a ver com essa história que aconteceu com Gegeu não. Até que a paixão não correspondida que ele sentia por ela talvez tenha influenciado, mas não se pode culpar a menina pelos atos dos outros. E ele fez isso porque estava com a cabeça fraca, do mesmo modo que também estava com a cabeça fraca todas as vezes que cometia tantos erros. E quem enfraqueceu a cabeça dele não foram outras pessoas senão os seus próprios pais. O pai, o coronel Demundo, porque calava e até consentia diante de todos os erros. E eu porque, como mãe, nunca tive coragem de chegar pra ele e contar a verdade. Por ter agido sempre assim, enquanto ele ia cometendo erro após erro eu ficava aqui me lamentando, chorando de me acabar diante dessa situação. Se eu tivesse dito logo a verdade seria diferente, pois tomaria a rédea das ações dele nas minhas mãos...”.
“E qual seria a reação dele ao saber de quem se tratava a verdadeira mãe?”, perguntou Cristina.
“Isso eu não sei, e foi por isso que sempre tive medo de abrir o jogo. De qualquer forma, mesmo que ele se sentisse chateado eu teria de mostrar que as minhas qualidades superam em muito a fama que eu possa ter. E ele logo transformaria qualquer rancor passageiro num amor verdadeiro. Isso eu tenho certeza...”. Respondeu Sofie ainda de costas.
Então Cristina resolveu puxar a conversa para o que lhe interessava mais. “E a mocinha Soniele?”, indagou.
“Ah! Soniele, a linda Soniele. Pra você ver, quantas injustiças com a linda moça somente porque ele deu para o mundo da prostituição. Bem sei que o mundo dela não era esse não, tenho certeza. Aquela menina nasceu para casar, para ser mãe, para ter uma vida totalmente diferente, para ser muito feliz noutro jeito de viver. E de repente a mocinha bate na minha porta dizendo que queria fazer vida aqui. Fazer o que, né? Se aqui era cabaré, então que abra as pernas para aumentar o comércio. Foi sempre assim, mas com certas pessoas não deveria ser assim não. Com Soniele, por exemplo, deveria ser muito diferente, pois ela não nasceu pra puta, mas sim pra ser princesa de joia e tudo...”
“E por que a senhora acha assim?”
“Ora, minha filha, a gente conhece, principalmente eu que cresci sendo puta e me tornei chefe de puta. Naquela menina, naquele jeito meigo e bonito de ser, sempre senti que havia um grande segredo rodeando ela. Várias vezes joguei anzol mas ela nunca caiu. Tentei catar ao menos um tiquinho e nunca descobri nada. Mas sei que existe um grande segredo que aquela menina nunca contou a ninguém. E a prova que existe é que sempre desprezou Gegeu. Qual a rapariga que ia desprezar um partido daquele, um menino novo e bonito, rico até dizer chega? Mas não, ela não apenas desprezou como parece que enfeitiçou meu menino. Mas não culpo ela não. Ela não tem culpa nenhuma. Se eu contasse a verdade que o menino era meu filho talvez ela passasse a agir de outro modo para com ele, mas nunca fiz isso e agora é tarde. Ele morreu sem conseguir o verdadeiro amor dela. E talvez ela nem saberá como foi o fim dele...”
“Saberá sim!...”. Disse a jornalista, com voz decidida. “Mas como?”, perguntou a espantada Madame Sofie, agora se encaminhando para perto da visita.
“Dona Sofie, hoje mesmo vou pegar o mesmo ônibus que Soniele embarcou. Em qualquer lugar que ela possa ter ido eu encontrarei, possa ter certeza. Para mim será um prazer e uma aventura, coisas que gosto muito. Tenho que conhecer melhor essa menina, tentar desvendar seu segredo e talvez escrever alguma coisa interessante sobre ela. E quando eu encontrá-la ficará sabendo do desaparecimento de Gegeu e dos últimos acontecimentos...”
E Sofie interrompeu: “E diga também que o cabaré fechou, a partir de hoje não tem mais função. As meninas vão se debandar pelo mundo e eu vou viver meu destino”. E se aproximou mais de Cristina pedindo para contar um segredo: “O povo ainda não sabe não, você é a primeira que revelo, mas de agora em diante vou viver ao lado do coronel. Ele mandou perguntar se eu aceitava e diante do ocorrido com nosso filho eu não poderia negar. Amanhã mesmo vou me mudar.”
E tirando de uma gaveta um objeto, colocou-o nas mãos da jornalista e fez um pedido muito especial: “É uma corrente de ouro com a foto do meu filho Gegeu. Guardava isso escondido a sete chaves. Assim que encontrar Soniele, por favor entregue a ela como recordação daquele que imensamente lhe amou”.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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