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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 14 (Conto)

DESCONHECIDOS – 14

Rangel Alves da Costa*


Não se sabe quem chamou, mas diante do barulho pela baderna e agressões, não demorou nem três minutos e uma viatura da polícia riscou na porta do cabaré.
Recostada pelos cantos cheia de hematomas e sangrando, Soniele era ajudada apenas por Caveirão, um afeminado que fazia às vezes de cozinheiro de Madame Sofie. As outras raparigas se meteram não se sabe onde e nenhuma, até mesmo aquelas que diziam ser tão amigas, estavam ali para ajudar, para conduzi-la até um posto de saúde ou hospital.
Gegeu não, pois os únicos machucões que ele tinha eram no coração apaixonado e no fígado tomado pelo álcool. Ao seu lado, perguntando se precisava de alguma coisa, ajeitando cuidadosamente sua roupa, havia uns cinco puxa-sacos.
Assim que os dois policiais entraram foram logo pra cima do ricaço malfeitor perguntando se ele estava ferido, se precisava de alguma coisa, se queria que prendesse aquela vagabunda arruaceira naquele mesmo instante. Praticamente alisavam e quase beijam o rapaz cambaleante.
Um dos policiais, sem ao menos se dirigir até Soniele para perguntar se estava precisando de alguma coisa, se virou de onde estava, logicamente do lado de Gegeu, e falou bem alto:
“A gente já tá sabendo de tudo. Nosso amigo aqui estava bebendo sossegado o seu uisquinho e você chegou querendo tirar o sossego dele. Até dinheiro dele quis roubar que a gente já tá sabendo. Mas o pior é o boa noite cinderela que você quis botar na bebida dele. Ele fez por bem ter dado uns tapas nas suas fuças. E se ele quiser a gente leva você agora mesmo pro xilindró, basta que ele acene com a cabeça. Quer patrãozinho, quer? Deixe que a gente prenda ela, deixe!”.
Nunca se viu absurdo igual, mas a verdade é que realmente aconteceu. Gegeu e os policiais continuaram na farra enquanto Caveirão, todo tremendo com medo da polícia, acompanhava Soniele até o posto médico. Andaram uns cem metros e ela desmaiou, após ter reclamado do aumento das dores e do sangramento pelo ferimento que tinha tomado num dos braços.
Populares ajudaram a conduzi-la imediatamente até o hospital. E dois dias depois estava recebendo alta. Agora não tinha jeito, não tinha mais demorar nem nada. Se já estava de mala arrumada para seguir mundo afora, agora era o momento. Partiria naquele mesmo dia, no ônibus que ia sair às cinco da tarde.
Não quis se despedir de ninguém. Contudo, procurou Caveirão, segredou-lhe alguma coisa que o fez chorar copiosamente, e depois deu-lhe um forte abraço de despedida. O rapazinho acabou desmaiando quando ela partiu.
A cidade em peso parecia que estava olhando Soniele, a mocinha prostituta, a Jasmim de Fogo, caminhar puxando uma mala em direção à rodoviária. Rapazes se aproximavam e imploravam por tudo na vida que ela não fizesse isso, que não os deixasse órfãos daqueles suspiros incontidos na cama sempre suada e desfeita do cabaré.
Uma beata, com xale na cabeça, bíblia na mão e todo o aparato, que conhecia tão bem a mocinha por prestar sempre atenção à sua vida e pelo que as outras diziam, foi se aproximando e disse cordialmente que naquela idade ainda haveria tempo de salvação, pois tinha certeza que a pureza do seu coração tinha o poder de dissipar a impureza do corpo. Ela gostou do que ouviu e agradeceu.
Já na rodoviária, quase que adiantando o relógio para o tempo passar mais depressa, não via a hora de embarcar rumo ao desconhecido. Sinceramente não tinha um destino certo. Talvez ficasse em alguma das próximas rodoviárias, talvez seguisse muito mais adiante.
Faltando dez minutos viu um garotinho se aproximar e lhe entregar um bilhete junto com outro envelope. E estava escrito: “Me perdoe por tudo, meu amor. Tenho feito tanta besteira com você porque te amo demais. Não posso impedir que você vá embora. Apenas peço que aceite essa quantia em dinheiro e o cheque em branco que estão envelope e mande me dizer qual o seu destino. Com um beijo apaixonado do seu Gegeu”.
Sentiu que ele estava por perto. E estava, mais adiante, meio escondido, triste de se acabar. Mas ela simplesmente devolveu tudo e disse que não poderia aceitar. E caminhou em direção ao ônibus que já estava de porta aberta. Sentou na poltrona e fechou os olhos. O coração quase arrebentava por dentro. Também amava o safado do Gegeu.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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