A CASA
Rangel Alves da Costa*
Casa, casinha, casebre, moradia de taipa, casa de sapé, de tijolo bem queimado e avermelhado, de alvenaria, de palha, de madeira e papelão, caindo aos pedaços, ainda em pé, escorada com madeira, amiga da ventania e da tempestade, sem telhado, com lua por cima, com qualquer porta, sem porta, quase sem casa, sem nada.
Casa na campina, na fazendo, na malhada do terreno, em cima do monte, embaixo da montanha, escondida por entre o arvoredo, misturando-se às catingueiras, bem na esquina, na curva do rio, na virada da estrada, perto do cemitério, ao lado da cidade grande, bem longe, bem distante, bem aí, em qualquer lugar.
Tapera com porta de madeira retorcida, com proteção de flandres, casa de porta de pano, de resto de qualquer coisa, de molambo, de goteira, sem porta, sem parte, sem nada, tudo lá fora vendo tudo lá dentro, pois também na tem janela, tem meia janela, um resto de janela, aquilo que era uma, nunca, nenhuma, jamais vi janela, impossível janela.
Casa de família, de pessoa que mora sozinha, de casal, de estadia, de arribação, de passagem, de solidão, de um vulto lá dentro e um fantasma saindo, ninguém habitando, o passado morando, a história observando, uma luz que acende, uma chama de vela, um candeeiro que apaga, porque ali mora gente, porque ali se esconde alguém, porque a casa é casa e cemitério.
Choça bonita, linda, imensa e enorme, mal cabe uma família dentro, só cabe um, não cabe nenhum, mas é imensa pra solidão, e não há solidão, a solidão se esconde no quarto, embaixo da cama, na cinza do fogão de lenha apagado, chama quem passa, insiste que entre, insiste que fique, que mora ali, pois a casa é pequena, a casa não existe, mas ela está lá, aqui e ali, em todo lugar.
Na casa mora a angústia, a tristeza, a alegria, a dor, o sofrimento, o pesadelo, a felicidade, o mal, a maldade, a benção, a bondade, a festa e a despedida, o adeus e o retorno, a partida sem sair do lugar, porque as chaves ainda gritam, berram no silêncio chamando alguém, que susto é esse, coisa medonha, não há o que temer, na casa de um dia, a casa repleta, a casa vazia, quse uma casa.
Nela habita João, Pedro e Zefinha, como morou um dia Bastião Luzia e Maria, e até outro dia ali se encontrava Moreno, Lucena e Das Dores, falta faz mesmo Tibúrcio, Dagomélia e Lesbão, gente do povo, gente do sertão, sempre na prosa com Lucas, Chico e Doralina, na prosa que era atrapalhada pela arrelia de Juquinha, Fifita e Zezinho, mas tinha muito mais menino, muito mais traquina, Zí e Gasolina, um tal Relâmpago e até Betão.
Coisa triste de ver a casa hoje em dia. Ninguém faz mais moradia, não aparece e nem pernoita de dia. Tudo caindo aos pedaços, tudo tremendo quando o vento bate, tudo encharcando quando a chuva cai. Deve ser bom ver a lua de lá de dentro, pois não há mais telha nem telhado, fogão e trempe tudo arribado, até o chão tá esburacado. Havia um gato e havia um miado, mas não há mais rato, o gato fugiu assim que o último fantasma partiu.
Todo mundo que passa por ali, aonde havia porteira, papagaio falando, cachorro rosnando e galinha ciscando, agora só consegue enxergar o mato tomando conta de tudo, nem vestígio de moradia nem de nada, mal dando para dizer que um dia acolheu sertanejada, que junto com a filharada fazia valer destino. E era tanto menino e tudo se acabou e hoje o que restou foi uma placa dizendo “Nessa casa mora a felicidade”.
Tem nada não. Amanhã passa máquina, passa trator, vem a escavadeira e arranca do chão tudo o que restar da história. Ademais tudo na vida só existe enquanto ainda viver na memória. Tem nada não, é assim mesmo. Ninguém nasceu feito casa. E as pessoas morrem, quanto mais um casebre, uma mansão de pobre, onde nem a pobreza teve coragem de ficar.
Avistam outra casa, sem luzes, com cruzes. Ninguém quer morar nessa casa.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blogarangel-sertao.blogspot.com
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