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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 33 (Conto)

DESCONHECIDOS – 33

Rangel Alves da Costa*


Enquanto o profeta Aristeu, sempre olhando pra cima seguindo o voo lento do passarinho, caminhava apressadamente em meio a troncos, pedras e matarias, cortando sertão e suas surpresas, rumo à ribanceira do São Pedrito, bem distante dali pessoas se preparavam para embarcar num pássaro de aço rumo àquela região.
Dizer que o profeta acompanhava o passarinho que voava lentamente só pode ser mentira de quem afirmar isso. Melhor seria dizer, porque mais verdadeiro, que o passarinho voava e voltava, talvez com outra intencionalidade nessas incursões. Voava pra bem longe, observava se estava na direção certa, e depois fazia o caminho de volta, para não deixar o profeta sem rumo, e depois alçar voo adiante novamente.
Mas como afirmado, lá pelas bandas sulistas, na metrópole de Nova Paulo, depois de atrasos e mais atrasos, enfim a comitiva da viúva Doranice estava pronta para seguir rumo à região mais empobrecida do país, mais precisamente para aquelas bandas por onde caminhava o profeta Aristeu, a jornalista Cristina, a quase fugitiva Carolina, menina Carol, e a sempre bela e doce prostituta Soniele, aquela mesma chamada Jasmim de Fogo. E também onde vivia o pescador João, o ainda jovem viúvo dividido entre o romantismo agreste e a dor da solidão.
A comitiva da milionária Doranice já deveria ter partido há, no mínimo, três dias. Contudo, talvez tenha sido o seu jeito metódico e de pessoa que gosta de tudo certinho demais que tenha atrasado a viagem. Em primeiro lugar, mandou confirmar quais bancos existiam naquela região e que pudesse dispor de dinheiro quando precisasse; exigiu que o próprio Carlinhos fosse acompanhado de ajudante para comprar as roupas que quisesse e onde achasse melhor; e resolveu dar uma festinha de despedida para umas velhas amigas.
E foi durante a festinha que uma das melhores amigas da viúva, a também viúva Condessa de Albernazzi, teve uma ideia que atrasou ainda mais a viagem. Eis que a velha senhora, na altura dos seus oitenta e poucos anos, gostou tanto da exposição que Doranice fez da viagem e dos objetivos que pretendia alcançar com as ações que empreenderia, que começou a implorar com lágrimas nos olhos que um neto seu pudesse também fazer parte da comitiva. E explicou porque o rapazinho precisava tanto fazer essa viagem.
Segundo a Condessa, o rapazinho de dezoito anos estava acometido de uma doença rara e degenerativa, que não era contagiosa e nem deixava apresentar no portador qualquer sinal de enfermidade. Quer dizer, o rapaz possuía uma doença que não se manifestava exteriormente, mas aos poucos tendia ir minando as forças físicas e orgânicas. E segundo os médicos ele poderia viver mais cinco anos ou até mesmo um mês, dependendo de como ele fizesse o tratamento.
E o mais curioso é que o tratamento mais indicado era para que ele viajasse a lugares desconhecidos, tivesse contato com pessoas e novos hábitos e culturas, enveredasse mais de perto na natureza, de modo a seu organismo, e principalmente sua mente, se manter estável ou até mesmo ganhar novas forças. Haveria até possibilidades de ficar completamente curado.
Depois da verdadeira exposição de motivos da avó desesperada, com lágrimas nos olhos e mãos que chegavam a tremer, a viúva Doranice, que tinha um coração de plena doçura, se sentiu totalmente tomada de emoção. Não podia negar o pedido da velha amiga de jeito nenhum, ainda mais diante daquelas circunstâncias. Aceitou sorridente o encargo e prometeu que se dependesse dela e de Carlinhos o rapazinho voltaria da região agreste totalmente curado.
A viúva Doranice só fez uma exigência: que o rapazinho se apresentasse perante ela sem falta no dia seguinte, pois gostaria de conversar com o mesmo antes de seguir viagem. E já no outro dia. Quer dizer, a partida que estava certa para o dia seguinte sofreu mais um atraso. Contudo, diante do fato novo até que não traria maiores problemas. Ademais, passagens de avião ela poderia ter às mãos na hora que quisesse e subir no pássaro de aço na hora que pretendesse. E quem não conhecia e obedecia à viúva, principalmente a milionária Doranice?
Na manhã seguinte a Condessa se apresentou na mansão com o neto. A velha senhora não tinha nem mais como mostrar tamanha felicidade e esperança. O rapazinho, demonstrando aparência saudável e muita disposição, realmente não parecia portador de doença algum. Os olhos chegavam a brilhar de alegria e expectativa com a viagem.
Nome estranho, mas Yula era o nome dele. Segundo as explicações da avó, era homenagem a um grande guerreiro nórdico. De qualquer forma, o jovem agora guerreava em outras batalhas, em outro front, fazendo de cada combate uma esperança para continuar sobrevivendo de forma saudável.
Diferentemente dos rapazes da sua idade, não tinha aparência desligada para a realidade do mundo, não demonstrava rebeldia, mas uma calma e uma simplicidade admiráveis. Era sereno e terno, tranqüilo e admiravelmente possuidor de grande empatia.
Doranice, ao passar as mãos pelos seus cabelos louros e lisos logo foi dizendo com um sorriso: “Cabelo bom vai encarapinhar no sertão, vai mudar de cor, vai se tornar cor do chão, da terra. E o melhor é que vai ver de perto como a vida renasce a cada dia naquele povo sofredor. Está pronto então, meu rapaz?” “Quero conhecer tudo isso. Dizendo melhor, quero viver tudo isso!”. Disse o resoluto e contente Yula.
Carlinhos, que observava tudo silenciosamente, enfim abriu a boca para dizer: “Ele sente isso porque não é daqui. Vocês pensam que ele é daqui porque veio ao mundo aqui, mas na verdade ele nasceu lá. O que ele vai fazer agora é voltar pra o seu lugar de origem e ficar próximo de sua família”.
As duas senhoras se entreolharam estranhamente.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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