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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 32 (Conto)

DESCONHECIDOS – 32

Rangel Alves da Costa*


O profeta Aristeu já se dava por satisfeito. Também seria injusto escavacar mais coisas, outras minúcias daquela cabecinha desajuizada. Mas pensando bem, até que tinha juízo melhor do que muita gente que se diz esperto e sadio; tinha muito mais sabedoria do que muitos que querem saber mais que os livros.
Mas pra sair de lá deu um trabalho danado. Toinho fez que sentasse debaixo do tamarineiro e queria porque queria que o profeta falasse por qual motivo ele tinha deixado o passarinho do destino voar. E falou dessa história como se já conhecesse a mesma de passo e compasso.
Aristeu se lembrou de certas coisas que poderiam levar até àquela história de passarinho, contudo não quis entrar em detalhes para não perder mais tempo. Se entrasse naquele terreno, quem ia ser chamado de maluco era ele. Mas por outro lado, tinha certeza que se alguma coisa parecia com passarinho que tinha voado só podia ser o bilhete sendo levado pelo vento lá de cima da montanha.
Disse que voltaria outro dia para contar a história todinha, sem esquecer nenhum detalhe. E vendo que não tinha mais jeito mesmo de continuar conversando com o amigo, o doidinho fez uma cara muito triste, de pura desolação, levantou e disse ao final:
“Pois o passarinho não voou pra bem longe não, pode saber disso. O passarinho vem voando atrás de você e aonde for ele vai atrás. Se para ele para, se dorme ele também fecha os olhos. Assim que você segue adiante ele bate as asas novamente e voa na mesma direção, só que um pouco mais distante, que é pra você não perceber. Agora mesmo ele tá por aqui pertinho, escondido num desses pés de pau, só esperando você seguir viagem. Ainda bem que ele não mau não, até que é coisa muita boa, só que tudo tem um limite, pois se você não fizer o que ele espera certamente ocorrerá o pior. E eu não queria nem tá por perto pra ver. Mas me diga qual o mistério entre você e o passarinho?”
“Um bilhete, um aviso, uma sina... Nada, nada, esqueça”. E Aristeu ficou nervoso, sem saber o que falar e foi saindo sem se despedir de verdade. “Diga que vai que digo que fico, se disser até mais digo que vá em paz, mas se sair desse jeito, com todo respeito, mas é viagem sem ter proveito...”, rimou o maluquinho, com jeito sério de quem esqueceu o sorriso.
“Tá bem, tá bem. Até, amigo Toinho, foi muito bom conversar com você”, disse enfim o profeta. “Então também digo que tá bem e digo que pode ir que ele já tá esperando, e quando virar a curva ele levanta voo na sua pegada...”.
E Aristeu seguiu pela mesma estrada que ia caminhando antes de encontrar com o senhor e o doidinho. Na verdade tinha esquecido de perguntar a Toinho como fazer para seguir em direção ao rio, já que ele havia desmentido o homem e disse que o São Pedrito cortava aquelas terras mesmo.
Contudo, notou algo diferente lá por cima que lhe chamou atenção. O doidinho havia afirmado que o pássaro o seguia, porém voando sempre atrás, de modo que não pudesse ser avistado, mas agora isso talvez tivesse mudado.
Primeiro observou que um pássaro voava constantemente acima de sua cabeça, como se o acompanhasse lá por cima, mas depois viu que ele seguia sempre em outra direção. E pairava no ar, soltando pios, como se quisesse avisar de alguma coisa.
Ficou com a mente que era só confusão com essa história do passarinho. Avistou uma árvore frondosa nas proximidades da estrada e resolveu que seria bom descansar um pouco debaixo dela, de modo que cochilando um instantinho pudesse raciocinar melhor mais tarde. E o passarinho que já estava um pouco afastado, recuo e voou até uns galhos que ficavam mais adiante. Enquanto o profeta tentava dormir, o seu guardião fechava um olho e deixava o outro aberto.
E o sonho veio rápido e sem deixar qualquer dúvida: você tem sua estrada e quer chegar, tem pressa e vai apressado, por isso vai seguindo por qualquer lugar, mas se quer chegar logo para ter tempo de ver as transformações e cumprido aquilo que ora teme ora deseja, então siga o pássaro, siga o pássaro, siga o pássaro, siga o pássaro...
E esse siga o pássaro ficou ecoando no sonho até que acordou assustado. Levantou num pulo e olhou para todos os lados para ver se enxergava o passarinho. E de repente ouviu dois pios. Agora dois passarinhos voejavam ao redor, só que cada um em direção diferente.
Se tivesse prestado mais atenção ao passarinho agora saberia qual o verdadeiro. Teria que seguir o passarinho, mas qual? O pior é que tinha certeza que um daqueles dois lhe chamava para o mau caminho, para a estrada da escuridão, para os portões do abismo.
Então lembrou da história da sombra, lembrou do maluquinho e pegou uma pedra e rumou com toda força no meio do mato. Depois só ouviu um barulhar de pássaro se debatendo lá em cima, penas voando e um som medonho de algo se desfazendo em pedaços e sumindo no ar ao cair.
Ouviu novamente o outro pio e seguiu adiante, na mesma direção.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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