DESCONHECIDOS – 25
Rangel Alves da Costa*
O mesmo delegado que providenciou os procedimentos internos para que houvesse possibilidade do relaxamento da prisão de Carol, e para tal recebeu vultosa propina, fez jogo duplo com relação ao caso.
Afirmou ao advogado que seria impensável que a filha do empresário fosse apresentada à imprensa como integrante de uma quadrilha de assaltantes de joalherias. Por isso mesmo demonstrou estar fazendo todos os esforços para que a riquinha fosse liberada o quanto antes. Contudo, já havia telefonado para alguns jornais e vendido a informação, como era costumeiro fazer.
Desse modo, enquanto o advogado conseguia, através do juiz plantonista corrupto, relaxar a prisão, as impressoras dos jornais já estavam rodando a notícia em primeira página. Com efeito, antes do amanhecer do dia a mocinha já estava deixando a delegacia, mas já não adiantava como forma de ocultar sua participação.
Assim, quando os jornais chegaram às bancas, foram entregues nas casas e repartições, a manchete principal estampava: “Filha de empresário é integrante de bando de assaltantes”; “A bela e milionária do crime”; “Presa assaltante filha de empresário”. Não obstante isso, o noticiário televisivo passou a dar ênfase ao que foi denominado de “O Caso da Riquinha”.
No horário marcado para a apresentação da quadrilha, a mesma teve de ser adiada porque chegou aos ouvidos do secretário de segurança pública que a imprensa insistiria para saber sobre os reais motivos da soltura da filha do empresário. Desse modo, a decisão que o secretário resolveu tomar daria um novo rumo nessa história toda.
O próprio secretário se dirigiu até a delegacia para colher informações sobre o relaxamento da prisão da riquinha. Bastou abrir a boca e fazer as primeiras ameaças, o policial que havia destruído o verdadeiro Auto de Prisão em Flagrante e forjado outro cheio de imperfeições e erros propositais, não suportou a pressão e resolveu contar o que havia ocorrido.
Imediatamente o secretário mandou refazer o referido documento e o encaminhou para ser homologado por outro juiz, de modo a suspender a eficácia liberatória proferida pelo magistrado corrupto. Contudo, a pedido do próprio secretário via telefonema, o juiz não só homologou o flagrante como decretou incontinenti a prisão preventiva da riquinha.
Bem antes disso, assim que deixou a delegacia na madrugada, Carol foi conduzida pelo advogado para a residência deste, pois sabia que não haveria como manter contato com os pais dela àquela hora. Logo cedinho, assim que acordou e foi telefonar para o pai da mocinha, o que encontrou nas primeiras páginas dos jornais fizeram perder totalmente a cor. Se era moreno, ficou louro, se poderia dizer.
Mas não podia ser, isso não poderia estar acontecendo de jeito nenhum, pois o delegado garantiu que tudo ficaria encoberto, que a imprensa não ficaria sabendo do envolvimento dela de jeito nenhum. Alguma coisa tinha dado errado, tinha certeza. Resolveu nem telefonar mais para o amigo empresário, mas ir até lá conversar pessoalmente com ele. Deixou os jornais lá e correu para o banho.
Nem a esposa do advogado nem os empregados sabiam além do necessário sobre o acontecido, por isso mesmo deixaram os jornais onde estavam. E não durou muito apareceu Carol, ainda com cara de sono, caminhando pelas amplas salas até chegar aos. Por incrível que pareça, mas ao ler as noticiais envolvendo o seu nome disse apenas que iria até o quarto e depois daria uma voltinha no jardim. Ao menos externamente, outra reação não teve.
No quarto, abriu a bolsa, pegou os documentos essenciais, espalhou carteiras e objetos pelos bolsos e voltou para a sala, afirmando que estaria logo ali adiante, apreciando a manhã e os muitos encantos do jardim. Realmente foi em direção ao ambiente, mas logo que deixou de ser avistada seguiu por outra direção e de repente já estava fora da casa.
Realmente, a vida tem dessas coisas, diria o sábio imitando o filósofo. A mocinha havia passado tantos anos na vida e nunca tomou uma decisão tão rápida e eficiente como naquela manhã, após ler as manchetes. A ficha caiu, como se diz na gíria, e então ela compreendeu o absurdo em que havia se metido.
Naquele momento, pela primeira vez, amou verdadeiramente seus pais e se reconheceu e se amou enquanto pessoa; pensou na vergonha e no constrangimento e na desonra que poderiam estar passando agora; pensou no seu nome enlameado, envolvido numa coisa que jamais pensou em algum dia poder acontecer.
Não chorou porque não queria demonstrar tanta dor diante de desconhecidos. Mas resolveu reparar imediatamente aquilo tudo. E logo lhe veio a ideia de sumir, desaparecer, pois não tinha forças nem coragem para olhar tão cedo nos olhos daqueles que sempre demonstraram tanta confiança.
Decidiu então abandonar tudo e pegar o primeiro avião e seguir pra bem longe, para um lugar totalmente desconhecido, onde não pudesse ser reconhecida e talvez conseguisse viver em paz por uns tempos, tentando refazer sua vida e dar a si própria um destino das pessoas normais, comuns, humanas.
E seguiu para a região nordestina, para qualquer capital. De lá seguiria mais adiante, sertão adentro.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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