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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 18 (Conto)

DESCONHECIDOS – 18

Rangel Alves da Costa*


Para espanto de todos, assim que Madame Sofie se dirigia para perto do caixão, o combalido coronel Demundo Apogeu parecia ter encontrado forças para se erguer, mesmo com feição assustada, e acenar para que a mulher se aproximasse ainda mais.
A jornalista Cristina observava a cena toda sem entender nada. Procurou saber de quem se tratava e logo informaram a procedência da estranha, mulher com jeito diferente e portando no seu rosto triste um aspecto de poder e encantamento.
Quando mais jovem certamente era muito bonita, vez que o tempo ainda não havia apagado do rosto e do corpo a compleição das belas mulheres sertanejas, numa síntese entre o diamante na rocha e a mais bela joia de prateleira.
Em pé, ao lado do caixão com tampa levantada novamente, Madame Sofie fazia uma contrita prece, puxando da bolsa um crucifixo e levando-o próximo aos lábios, pertinho também das lágrimas que rolavam por cima do rosto já enrugado.
Todo o povo se espantava ao ver a velha prostituta, a dona do cabaré mais famoso da cidade, a causadora de tantos males familiares, a odiada e amada, ali num gesto que somente o velho coronel Apogeu poderia compreender.
Madame Sofie, entretanto, não estava somente manifestando a dor pela perda de um jovem da cidade, uma pessoa conhecida por todos, mas chorando a dor de uma mãe que se despedia do filho, a dor daquela que tanto sofreu vendo-o a seu lado, em situações verdadeiramente constrangedoras, e jamais poder chamá-lo atenção como mãe.
Todas as vezes que Gegeu errava no seu cabaré, aprontava das tantas e costumeiras, ela apenas chamava-o num canto e pedia que se comedisse, que tivesse cuidado com o que andava fazendo, pois muito jovem para tantas bebedeiras, arruaças e gastos exagerados. Falava como amiga, porém gostaria de falar como mãe, de revelar para o rapaz sua verdadeira origem materna.
Por isso é que naquele momento, mesmo que os outros nem sonhassem com tal fato, quem estava ali diante do jovem morto era uma mãe com todas suas dores, ressentimentos e sofrimentos. Uma mãe que teve de entregar nas mãos do pai um filho com cinco dias de nascido, e tudo porque a esposa infértil exigiu isso do coronel quando soube do seu relacionamento com ela.
O menino não tinha culpa por jamais ter sabido que sua mãe biológica era outra. E mesmo com o falecimento da esposa do coronel, nunca procurou abrir a boca para dizer que além de amante do homem mais rico da região, na verdade era a mãe do filho único que ele dizia ter com sua esposa. E nunca fez isso porque sabia que não valia a pena revirar o passado.
Quando Madame Sofie encerrou suas preces e abaixou a cabeça para beijar o rosto de Gegeu, todos os presentes ficaram extasiados, num alvoroço descomunal. Cochichos e conversinhas, palavras ao ouvido e olhos e faces que cismavam em não acreditar no que viam. E antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, o velho pai fez um sinal que fizessem silêncio porque queria falar alguma coisa.
Dessa vez foi Madame Sofie que ficou nervosa e quase não se sustentava em cima das próprias pernas. Meu Deus, o que será que esse homem quer falar agora? Será que é porque estou aqui, vim me despedir do meu filho e fazer um gesto de despedida? O que será que se passa agora na cabeça desse velho, que ao invés de sofrer sua perda silenciosamente, agora acha de querer falar? A velha prostituta se perguntava ansiosa, num misto de temor e curiosidade.
Então o velho coronel Demundo Apogeu se aproximou um pouco mais da amante de toda vida e começou a falar, com uma inesperada voz aguda para aquele momento:
“Estão vendo esta aqui? Esta que todo mundo conhece por outros motivos e circunstâncias; esta que é amada e ao mesmo tempo apedrejada por muitos, principalmente as mulheres desse lugar; esta que nunca negou ser rapariga nem nunca se desculpou a ninguém por manter casa de raparigagem. Esta aqui, a Madame Sofie que meio mundo conhece, ela é muito mais do que tudo isso e ainda muito mais do que qualquer um de vocês poderiam imaginar, pois ela é minha ex-amante, minha amante de sempre, pessoa que sempre amei muito. E tem outra, e acredite quem quiser, pois ela é a verdadeira mãe do meu Gegeu, este mesmo que esta neste caixão. A minha esposa sempre criou o menino como filho, mas a sua verdadeira mãe é esta aqui. A mãe de Gegeu é Sofie...”.
Falar das bocas abertas, pessoas estarrecidas, faces parecendo retorcidas pela afirmação ainda é pouco. O mundo parecia estar desabando, as pessoas não se acreditavam, se tocavam para ver se ainda existiam. Não demorou muito e a cidade entrou em polvorosa com a descoberta. Não se falava noutra coisa, não existia mais nada para se comentar.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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