DIÁLOGO DAS AMIGAS PERFEITAS
Rangel Alves da Costa*
Porque eram perfeitas, donas de casa respeitadas, sem jamais as pessoas da cidade encontrarem motivos para falar um tantinho assim, é que se achavam um poço de seriedade e dignidade comportamental.
Porque eram assim tão perfeitas, sem nenhuma boca maldosa podendo pronunciar qualquer coisa que lhes atacasse a honra, é que se juntavam em confraria, todas as tardes, sentadas na porta de uma ou de outra para colocar a conversar em dia, mas tudo sem fofoca ou atinando para o que os outros fizeram ou deixaram de fazer. Tudo isso porque eram perfeitas...
Porque todos sabiam que ninguém era perfeito assim, logo desandaram a falar que entre as três amigas não havia uma só que prestasse, que cada uma era mais fofoqueira do que a outra e o que se conversava ali era tão cabeludo que pecado pequeno saía como inocente.
E tinham razão os que pensavam assim, pois a seriedade e honradez mostrada por cada uma perante as demais serviam muito mais como arma de defesa do que como algo realmente existente. Se uma se dizia séria demais, então a outra era mais séria ainda, e assim ali se completava o círculo das incorruptíveis.
De qualquer modo, quando sentavam ao entardecer na calçada, uma fazendo crochê, outra bordando uma colcha e ainda outra eternamente pintando as unhas, o diálogo das mulheres sérias corria solto, e tudo porque eram amigas perfeitas.
“Minha filha com aquela idade, já moça feita, nem pensa em namorar. Se saiu à mãe não há de namorar tão cedo. Quando namorei, sem ter essas coisas de beijo nem esfregamento, já foi quase na porta do altar. Com o primeiro homem que namorei casei. Não fiz como umas e outras que vão experimentando até arrumar o mais besta. Se saiu à mãe, então minha filha tá em bom caminho...”.
“A minha fala até em não casar. E tá certa ela. Os homens de hoje em dia só pensam naquilo e moça que se dá o respeito casa é virgem. Eu também nasci para o convento, para a vida religiosa, todo mundo dizia isso. Até diziam que eu parecia uma santinha. Mas o destino quis que eu encontrasse um esposo, então me casei. Mas casei virgem e fiquei nessa condição ainda três meses depois do casamento, e tudo por causa de uma promessa que fiz...”.
“Mas que promessa foi essa comadre?”
“Nem te conto comadre. Prometi a mim mesma que só ia me entregar ao meu esposo muito depois de casada, quando percebesse que ele não agüentava mais ficar sem fazer aquilo. Se eu percebesse que ele não ficava aflito, então era porque tava deitando com outra zinha da rua. Mas como eu percebi que o bichinho não agüentava mais, aí tudo aconteceu, mas com todo respeito...”.
“Respeito foi na minha lua-de-mel comadre. Pra que ele não me visse nua mandei apagar todas as luzes, mas mesmo assim ainda fiquei vestida de roupão o tempo todo. Não deixei que ele ficasse também nu não. Até hoje minha seriedade não permite que ele fique totalmente nu na minha frente...”.
“E como foi que vocês fizeram comadre, como foi que chegaram às vias de fato?”
“Como eu disse, no quarto totalmente escuro e nós dois ainda vestidos. Eu de roupa e ele de cueca, e se tirou depois nem percebi. Mas eu disse a ele que fizesse de conta que eu estava dormindo. E não me mexi de jeito nenhum, deixei tudo por conta dele. No momento não tava pensando noutra coisa senão em orações, até rezei duas ave-marias e três pai-nosso”.
“Eu nem falo nessas coisas. Meu marido também é muito sério com relação a isso, por isso me sinto ainda praticamente virgem e inocente, ao menos de pensamento. Deus me livre de ser como essas mulheres de hoje, que andam por aí parecendo umas depravadas. E o pior é que querem ser tão sérias e vivem até traindo os maridos. Você soube comadre?...”.
“Comadre sabe que odeio fofoca, mas conte logo...”.
“O crente da outra rua diz que não dorme de noite com a safada da casa ao lado uivando feito loba, e o pior que diz que tem outro bicho uivando com ela a noite todinha. Já a filha do vereador diz que emprenhou não sei de quem. Se saiu à mãe é que não vai saber mesmo. Dizem que nenhum dos seis filhos é filho do marido, e tudo com pai diferente. Deus me livre só em pensar numa coisa dessas...”.
“Vocês não sabem é de nada. E aquele do correio que dizem que deixou a mulher pra aviadar. Mais sorte teve a outra que foi pega fazendo não sei o que embaixo da batina do padre. Mas o padre é tão bonito, tão jovem, um tipão... Mas tudo com maior respeito, claro”.
“Por isso que acordo, vivo e durmo tranqüila, sem nada pra que os outros possam falar ao menos um tiquinho assim. Não gosto de fofoca e nem de safadeza...”
“Eu também comadre, eu também...”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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