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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ZÉ CONFUSÃO (Crônica)

ZÉ CONFUSÃO

Rangel Alves da Costa*


Se esse indivíduo fosse somente de arrumar pequenas encrencas, arruaças passageiras e chiliques ocasionais, ainda iam, todo mundo aceitava de bom tom e até compreendia o temperamento um pouco diferente do cabra, mas o problema é que ele era dado uma confusão que só faltava o mundo se acabar.
Contudo, fato mesmo de se estranhar é que Zé Confusão, por esperteza ou por qualquer outro mistério dos sabidos e treiteiros, se especializou em fazer o mundo virar de pernas pro ar sem que ele necessariamente estivesse envolvido. A preocupação dele era arrumar a encrenca, dar início ao bafafá e depois tirar o corpo fora.
E para que uma confusão começasse ele utilizava de muitas artimanhas, próprias dos cabras safados de sua laia. Sabia que a fofoca é a bicha mais capacitada para atrair desavenças no mundo, para tornar amigos em inimigos e transformar em guerra aquilo que está em completa paz.
Assim, Zé Confusão tinha na fofoca a sua melhor tática para ver criado um atrito, um destempero, um rala-faca. Fama de valente ele tinha por demais e toda a região conhecia e cantava os feitos do valentão, mas tudo isso surgindo e se espalhando também através do conversê mentiroso, da lorota pura, da fofoca vergonhenta.
De vez em quando sumia por uns tempos, dizendo que estava distante resolvendo problemas sérios de honra, coisa que só homem na qualidade dele para enfrentar. Muitos afirmavam, e com razão, que ele não ia pra lugar nenhum, ficando escondido nos arredores por uns tempos, só assuntando como fazer os outros se intrigarem, brigarem, chegarem às vias de fato.
Verdade é que quando dava às caras na cidade, todo de roupa nova de cabra macho, posudo que mais parecia uma égua parida e arrotando asneiras, logo começava a espalhar mentiras de não acabar mais. O pior é que tinha gente que acreditava.
Assim, chegava nos ouvidos de um e de outro, pedindo por tudo na vida que não espalhassem o segredo, e dizia com a cara mais cínica do mundo que havia matado um em tal lugar e outro noutro lugar, que enfrentou de uma vez só uma família inteira, que acabou um forró de pé de serra na faca só porque uma mulata lhe fez uma desfeita de não querer dançar um baião.
Certa feita chegou para o prefeito e mansamente foi dizendo que não podia acreditar de jeito nenhum no que tinha ouvido falar. Não, não podia ser de jeito nenhum. E o prefeito aperreado, querendo logo saber do que se tratava, começou a soltar fogo pelas ventas quando Zé Confusão segredou-lhe que o padre não fazia outra coisa senão falar mal dele e de sua administração, chegando a chamá-lo de “o coisa ruim” e carrasco do povo.
Então o prefeito puxou o fofoqueiro valentão pelo braço e exigiu que ele o acompanhasse até a igreja, que era pra ele repetir essa história lá e vê como era que um homem de verdade fazia com um padreco safado e que não tinha coisa mais importante pra fazer.
Quanto mais o prefeito puxava mais Zé Confusão arrumava uma desculpa para não acompanhá-lo. Disse que ia viajar naquele mesmo instante, mas não teve jeito; disse que ia comprar remédio pra sua mãe que estava doente, mas não teve jeito; disse que estava com uma dor no coração e foi pior; e por fim disse que precisava ir ao banheiro porque estava todo sujo. Então o prefeito empurrou-lhe calçada abaixo que o homem caiu estatelado.
Quando o povo viu Zé Confusão ser empurrado pelo prefeito e cair no chão, logo começou a se benzer temendo na hora a orfandade do município, pois era dada como certa a morte do mandatário naquele mesmo instante. E o padre, saindo à porta da igreja, observou o acontecido e correu para evitar a tragédia.
E assim que chegou diante dos dois o sacerdote se ajoelhou implorando por tudo na vida que aquela tragédia fosse evitada. Então Zé Confusão aproveitou a situação e disse no ouvido do prefeito que não matasse o padre não porque ele já havia pedido perdão pelo que tinha dito.
Mas a história que começou a reinar na cidade foi que Zé Confusão só não deu fim à vida do prefeito porque o padre chegou ali para interceder, chegando até a ficar ajoelhado. E por isso mesmo a fama do homem foi aumentando cada vez mais.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ficaki disse...

Rangel, publiquei seu texto "Um tempo de cartas e de saudades"
no meu blog Fácil e Grátis.

O texto é belissímo. Também estou lendo seus textos do blog e fico feliz em saber que continua escrevendo maravilhosamente bem e cada dia melhor.

Sérgio Santos.

Link da publicação: