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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

DESCONHECIDOS - 12 (Conto)

DESCONHECIDOS – 12

Rangel Alves da Costa*


Carlinhos, mostrando um dos planos da inocência adolescente, diante da pergunta embaraçada da velha senhora simplesmente foi logo dizendo: “A senhora parece muito nervosa. Está com medo dele. Ouvi bem o que ele falou, mas acho melhor que a senhora mesmo pergunte a ele. Onde ele tá? Chame ele e pergunte...”.
E a viúva Doranice ergueu os olhos para o céu e falou quase chorando: “Ele está lá em cima meu filho, pois ele já morreu há mais de dois anos!”. Então foi a vez de Zezinho ficar assustado, totalmente arrepiado, e dizer com a voz que quase não lhe sai da boca: “Já vou...”.
“Não, pelo amor de Deus não, espere um pouco que vou abrir o portão para você entrar”. Procurou a chave pelos bolsos e foi abrir o portão, quase não conseguindo pelo nervosismo que tomava contava do corpo inteiro.
Não podia ser por outro motivo, mas certamente o menino não queria entrar na mansão de jeito nenhum por causa da história do morto. O pior não era o fato do homem já ter morrido, mas sim porque ele o havia visto ali sentado mais adiante no banco do jardim, tinha ouvido sua voz e suas palavras ainda estavam presentes em sua mente. Lembrava de cada palavra que ele havia dito.
Contudo, o menino acabou cedendo e resolveu entrar quando a viúva falou que talvez ele estivesse com fome e precisasse fazer uma merenda. Realmente a barriga estava roncando, pois já naquela hora da noite e tudo que ele havia comido durante todo o dia não havia passado de um pão com mortadela, acompanhado com um copo de água que era para descer melhor.
Depois que o menino experimentou sabores totalmente desconhecidos, porções que abriam cada vez mais o apetite, foi chamado pela viúva até o solar onde, sem poder esconder a aflição e o nervosismo, perguntou se ele já estava pronto para lhe falar o que tinha ouvido do seu falecido esposo.
Contudo, antes que ele começasse a falar pediu para contar sobre um sonho que havia tido e envolvendo um menino igualzinho a ele. E começou a relatar:
“Essa noite tive um sonho ao mesmo tempo estranho e bonito. Nesse sonho me apareceu um menino, e tenho certeza que era você, vindo de um lugar bem distante, bem longe, caminhando com os pés descalços por uma estrada cheia de pedras e espinhos. Ao lado dessa estrada medonha também tinha muita mata fechada e labirintos e de lá dentro podia se ouvir os sons de feras terríveis que poderiam a qualquer momento para atacar. Mas você não olhava amedrontado para os lados e nem reclamava de dor nos pés descalços. Pelo contrário, pois você vinha se aproximando cada vez mais sorridente e feliz, com a paz dos bons e que andam com proteção. E vinha em minha direção. Ao chegar perto de mim, com uma roupinha igualzinha a essa que você está vestindo agora, muito humilde, disse-me que precisava dar um recado, e um recado que alguém muito importante havia me enviado. E ao chegar mais próximo, como se estivesse querendo falar ao meu ouvido, assim que foi abrindo a boca o sonho se dissipou e então acordei assustada. Levantei da cama e fui até meu oratório fazer orações e pedir ao meu bom Deus que se o recado fosse bom que fizesse com que chegasse aos meus ouvidos, como quase acontece no sonho. E o resto você sabe o que aconteceu, pois somente a força divina para encaminhá-lo até aqui. E veio porque tem um recado a me dar. Pode falar meu filho, o que você tem a me dizer? Tem alguma coisa a ver com o que você ouviu daquele homem que estava sentado no banco do jardim? Diga meu filho, conte-me, por favor”.
Carlinhos até achou a história do sonho bonita e parecia ter viajado por ele e sido realmente aquele menino que a senhora relatou. Então, olhou profundamente nos olhos dela e disse:
“O menino do sonho deve ter sido meu irmão que nunca tive. Não sei se o que ouvi o homem dizendo tem alguma coisa a ver com isso não, mas lembro bem que ele disse para a senhora fazer logo a viagem porque tem um povo desconhecido esperando a senhora lá. E disse que vá seguindo um rio de muitas águas no leito, mas com um povo pobre adiante. Mas que não tenha medo do povo e sim dos desconhecidos. Foi isso o que ouvi ele dizendo”.
“Mas meu Deus, então é isso. Partirei então logo amanhã. Se sua família permitisse você iria comigo...”. Disse a viúva, agora mais aliviada. E diante da insinuação Carlinhos falou: “Minha família sou eu e minha casa é em qualquer lugar. E até que gostaria de conhecer um lugar diferente”.
E o menino dormiu pela primeira vez numa mansão, sonhando em viajar, em conhecer outro lugar e outras pessoas.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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