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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O DIÁRIO DAS PALAVRAS QUE CHORAM (Crônica)

O DIÁRIO DAS PALAVRAS QUE CHORAM

Rangel Alves da Costa*


Querido diário, peço desculpas, mil perdões, sei que foi imperdoável a minha atitude pegar escondido o diário dela. Coisa feia que fiz, mas juro que fiz isso somente porque sabia que encontraria muito mais verdades do que simplesmente páginas de desabafo escritas por uma adolescente.
Você é testemunha dessa realidade vivenciada por ela, pois em suas páginas está a realidade jamais percebida naquele jeito sempre sorridente, na menina que exemplifica felicidade, na adolescente que parece já conhecer todas as estradas e veredas da vida.
Mas olha o que encontro agora, preces de uma menina triste, relatos de uma adolescente cheia de dúvidas, expressões que se escondem por trás de véus e lenços. E o pior: palavras que silenciosamente choram e querem sair do papel e correr pelo mundo.
Desculpe-me, mas preciso citar:
“Acendo as luzes, todas as luzes do mundo, mas todas as noites sempre acontecem como noites. Nada que afaste a escuridão, o medo, a tristeza e a desesperança. Só sinto e vejo alguma luz se fecho os olhos, mas aí não posso fazer nada sem tropeçar no destino...”.
“Meu namorado ainda não nasceu e já morreu. Se algum dia ele existisse e fosse adolescente, depois de beijá-lo perguntaria se vale a pena nascer para depois morrer, ou seria melhor que nascêssemos já adolescentes para aproveitar o máximo essa idade e assim permanecer, até que outro adolescente nasça em nós”.
“Às vezes passo dias inteiros sem tomar um gole de água somente para ver se as lágrimas não encontram nenhuma fonte para se alimentar e depois se derramar no meu rosto. Resolvi então continuar sem tomar água e beber apenas das minhas próprias lágrimas. O problema é que ando bebendo água demais mesmo sem ter sede”.
“Quero mostrar sempre aos outros que sou muito alegre e feliz. Até que eu gostaria de ser assim mesmo, andar cheia de contentamentos, esbanjando alegrias e felicidades. Daí que me torno atriz daquilo que não sou, passo a representar aquilo que está muito distante de mim. Mas isso não tem nada não porque a vida também parece que está representando comigo”.
“Meus pais quando saem trancam as portas e fecham as janelas. Tenho minhas chaves, mas jamais me deu vontade de abrir qualquer porta ou janela. Sair para onde, fazer o que, conversar com quem, encontrar alguém? Tenho sempre aberta somente a janela do meu quarto, mas não para pular e sair para onde quiser. Apenas para esperar que os meus amigos apareçam, cheguem e entrem para o quarto, e uns chegam voando, outros vêm soprando, alguns são trazidos pelo vento, e outro calmamente chega e faz moradia ao meu lado sem dizer uma palavra sequer. E este é o que mais gosto, que é o silêncio”.
“Estava olhando minhas fotografias mais antigas e incrivelmente todas se parecem comigo. Eu jurava que nada em minha vida era igual no dia seguinte, pois eu mesma não me reconheço mais nem lembro que tenha existido ontem. Mas agora sei que não é sempre assim porque as fotografias que tenho me revelam sempre entristecida e com um olhar vazio e distante. Em algumas delas parece que estou chorando. Então não tenho mais dúvidas que sou eu mesma”.
“Gosto de ler Clarice Lispector porque ela escreve a vida e as pessoas pensam que é literatura. Ela não é nem triste nem amargurada, apenas reflete exatamente a solidão angustiante que existe em determinadas pessoas. Em qualquer escrito dela me reconheço como as estrelas ao luar. Ou ela foi vidente ou plagiadora barata, pois leu todas as entrelinhas da minha vida e depois assinou como obra sua”.
“Hoje vou tentar dormir e sonhar, mas não adianta, sei que não adianta. Morro assim que adormeço e amanhã abro os olhos para ver que estou solitariamente velando o meu corpo. E me vejo fazendo uma prece para que eu seja feliz eternamente ao lado do Senhor. E sei que esta é a única felicidade que me espera”.
Agora vou guardar novamente o diário porque a dona vem chegando. Sei que vou sorrir muito das presepadas que ela vai chegar aprontando. Mas como tudo se contradiz nessa vida meu Deus!




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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