UM TEMPO DE CARTAS E DE SAUDADES
Rangel Alves da Costa*
Ninguém mais escreve carta, bilhete, deixa um recadinho no papel. Aliás, ninguém envia mais cartões de natal, manda calendários de bolso para os amigos e nem remete telegrama de felicitações. Posso até dizer que parece que ninguém sente mais saudades, não tem mais amigos, não possui amores distantes a serem lembrados.
Não sou de um tempo de ontem não, sou de um tempo de hoje mesmo, do agora, mas não posso deixar de entristecer com esse distanciamento cada vez maior que as pessoas andam se impondo. A doçura do encontro através da palavra escrita ou rabiscada se perdeu na voragem do tempo.
Podem até dizer que os contatos estão muito mais rápidos e as comunicações são instantâneas, porém ainda não conseguiram colocar na tecnologia o sublime prazer de se tocar naquilo que vai ser enviado, escrito com letra bonita possível e extremo esmero, versificando para o coração do outro e depois colocando o selinho na carta. Pra não esquecer, a boca que quer beijar dentro da cartinha é a mesma que passa a língua para fechar o pequeno envelope.
As noites de velas e candeeiros, lamparinas e luz fraquejante foram testemunhas desses imensos amores derramados em lágrimas e pulsar de corações sobre as folha já molhadas e amassadas do papel. As mãos estremecidas procuravam entre tantas a melhor palavra para dizer tudo, e dizia sempre “eu te amo”.
Se as pessoas ainda lembrassem do significado de se escrever uma carta, seja familiar, de amor ou de amizade, talvez soubessem também o significado de sentimentos verdadeiros. Ora, as cartas eram escritas de tal modo que a própria pessoa parecia querer entrar no papel e falar em cada linha. Fazer trampolim das vírgulas e dos pontos e pular para abraçar e beijar incontidamente.
Do outro lado dessa vida que verdadeiramente tinha sentimentos, a outra pessoa ficava aguardando aflita que a carta chegasse. No interior, às terças e quintas a salinha dos correios se enchia de gente com o coração que só faltava sair pela boca. Ai meu Deus, será que chegou no malote de hoje? Basta que a mocinha despeje as cartas na mesinha que eu logo conheço a carta dele. É que o danado do meu José desenha um coração bem no cantinho de cima!
Quando é o próprio carteiro que entrega os envelopes de casa em casa, ai deste que passar mais de um mês sem levar a cartinha que Joaninha tanto espera. Na sua ingenuidade, até ofereceu um bolo de leite se o rapaz trouxesse a sua missiva na próxima vez que passasse ali. Coitado, pediu pelo amor de Deus que o colocassem noutros logradouros, para fazer a entrega em outro lugar.
Não porque tivesse medo da mocinha se tornar violenta a qualquer instante, mas pela angústia e sofrimento que também sentia por não poder ajudá-la. Só mesmo Deus para saber o contentamento que ele sentia ao ver sorrisos e lágrimas nos olhos de pessoas tão simples, humildes e sempre cheias de esperanças. Certa vez virou a cabeça e saiu rapidamente para não chorar quando entregou uma carta e uma meninha disse à mãe: “Papai só manda carta. Eu queria tanto que ele viesse também!”.
Todas essas cartas de antigamente eram marcadas por palavras singelas e tão verdadeiras quanto os sentimentos de quem as escrevia. Conversa muita é bom, enfeite também engana, mas nada que se compare ao “Como vai, tudo bem?”, “Estou com saudade de você, então resolvi escrever essa cartinha”, “Antes de tudo, meu amor, aceite um beijo de quem não suporta mais viver longe de você”, “Não arrepare não, mas essas mal traçadas linhas são só pra dizer que te amor, que gosto de você mais do que tudo na vida”. E assim se escrevia, e assim se lia tanto amor e tanto amar.
Escrevo tudo isso na maior solidão. Se tivesse uma namorada certamente escreveria: “Tanta saudade Maria, mas juro que volto um dia...”.
Poeta e cronista
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Um comentário:
Quanta verdade,realmente perdemos esse prazer.Mas e você para seu amor?um poema ou bilhetinho doce com uma flor para o meu amor?parabéns bela crônica.
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