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domingo, 1 de maio de 2011

DE ENLOUQUECER DOIDO (Crônica)

DE ENLOUQUECER DOIDO

Rangel Alves da Costa*


Nunca vi nada mais prodigiosa nesse mundo do que a mente criativa desse povo. Nada, em qualquer outro lugar na face da terra, tem o dom de superar o povo quando parte pra invencionices exacerbadas.
Parece que tudo está de pedra na mão querendo, desmotivadamente, jogar nos outros; parece que o hospício se abriu e de lá saiu uma comitiva que se espalhou por todo lugar, por dentro das casas, ruas, praças, bancos de jardins.
Pois bem. Qual o mal que faz um banco numa praça, ali quietinho, todo bonitinho, esperando sempre que alguém venha sentar pra descansar, conversar, namorar? Mas sempre chega alguém, por pura maldade ou instinto bestial, que vai passando e na primeira noite quebra uma ponta, no outro dia mais outra, e de repente só restam os pés do assento. Dá pra entender uma atitude dessas?
Que eu soubesse, minha tia solteirona nunca foi doida, nunca jogou pedra em ninguém, nunca foi chamada de maluca. Doida pra arrumar um namorado sei que é, maluca por homem eu sei que ela é, mas isso é próprio da carência, da falta de amor e remelexo ao longo da vida. Contudo, esse costume que ela adquiriu juro que nunca vi em ninguém.
Acha que é a única a fazer a maluquice que ela faz todas as noites. Verdade é que há muito tempo só dorme de óculos de grau, e não é um grauzinho qualquer não, mas coisa de fundo de garrafa mesmo. Todo mundo sabe que ela não tem nenhum problema de visão, que enxerga melhor do que as mocinhas, principalmente os homens, e por isso mesmo passa o dia inteirinho sem qualquer tipo de óculos.
Chega à noite, após as rezas costumeiras para os santos das solteironas, assim que deita na cama para dormir vai ela e coloca os benditos óculos e só tira quando acorda, quando amanhece o dia. Um dia, não suportando mais ver tamanha maluquice, perguntei a ela porque fazia aquilo. E ela, com a maior normalidade do mundo, justificou dizendo que todas as noites sonhava com homens pelados e que usava óculos para não correr o risco de não enxergá-los direito.
Mas isso não é nada diante de uma interiorana amiga. A cada nova novela que surge nas emissoras e é como se um pesadelo se instalasse na sua cabeça. O pior é que não abre mão daquilo que imagina de jeito nenhum e ainda por cima faz de tudo para que os outros acreditem nas suas loucuras. E conto por que.
Quando a Odete Roitman, vivida por Beatriz Segall em Vale Tudo morreu, e tempos após a atriz apareceu em outra novela foi um deus-nos-acuda. A mulher chegava a bradar dizendo que aquilo só podia ser coisa do outro mundo, que os mortos estavam voltando, pois ela mesma tinha visto quando a malvada foi assassinada.
O mesmo aconteceu com Renata Sorrah e Cristiane Torloni em A Próxima Vítima, Francisco Cuoco em Pecado Capital e tantos outros atores e atrizes, que morriam numa novela e não durava muito já estavam encarnando outro personagem. E a cada vez que o morto reaparecia era motivo para gritarias, benzimentos, velas acesas, faniquitos e até lágrimas.
Quando ela gostava do morto que ressurgia chegava a chorar de alegria; quando não, aí maldizia tudo, esculhambava tudo, chegava a dizer que ia chamar o padre para benzer a sala da televisão. E ai daquele que fosse dizer a ela que tudo era fantasia, que novela não passa de uma grande ilusão, que quem morria eram os personagens e não os atores.
Mas loucuras existem, doidices se propagam, insanidades se alastram que nenhum maluco seria capaz de praticá-las, pois em toda loucura há um grau de visibilidade da grandiosidade e valorização de determinadas coisas. Um louco de pedra, por exemplo, não usa droga sabendo que o vício vai lhe tomar a própria vida, não vai puxar o gatilho simplesmente porque o outro quase bate na traseira do seu carro, não vai humilhar aquele que está embaixo porque está mais alto em cima de uma caixa de dinheiro.
Conheci um louco muito perigoso, pois era perdidamente apaixonado. Não sobrava uma flor sequer no jardim do hospício, e ai daquele que o impedisse de retirá-las. Todos os dias ele levantava cedinho e ia colher as floridas para entregar à lixeira, seu grande amor.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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