TEMPESTADE – 5
Rangel Alves da Costa*
O seminarista Tristão puxou a mulher num canto e disse que infelizmente ainda não estava preparado e nem lhe era permitido pelos cânones da igreja que recebesse confissão de quem quer que fosse. E disse mais:
“Infelizmente, minha honrada e fiel mulher, o sacramento da confissão só é confiado pela igreja àqueles que atuam em nome desta, que são os padres, os bispos e assim por diante. Eu sou apenas um seminarista, ainda em preparo para o exercício das funções sacerdotais. Por isso mesmo seria grave erro de minha parte ouvir suas palavras, sua confissão, impor-lhe penitência se devida, bem como perdoar-lhe por erros casualmente cometidos. Além disso, como está bem claro lá no primeiro livro de Timóteo e confirmado em Romanos, o poder de perdoar os pecados não deve ser conferido a qualquer um, ainda que o valor deste sacramento não dependa da santidade pessoal do sacerdote. Então, sinto muito...”.
Mas a mulher se ajoelhou e de mãos em clemência disse baixinho: “Mas você tem que me ouvir, tem que me confessar, pois contrariamente do que possa parecer, não sou nem honrada nem fiel. Sou, sou, sou uma pecadora... E pecadora da carne, do sexo, da volúpia, da lascívia, do desejo incontido, dos queimores subindo pelo corpo, da vontade subindo das partes de baixo e indo até o bico dos...”.
“Cale essa boca agora mesmo. Não ouse continuar falando aqui esses pecados todos. Pelo começo, acho que você já tem lugar reservado lá no fogo dos infiéis. Mas diante de tanto pecado, com o perdão divino e da igreja, vou abrir uma exceção. Vamos logo até ali o confessionário...”.
“Nós dois juntinhos lá dentro, seminarista Tristão?”, perguntou Rosinha, com um brilho diferente no rosto. “Deixe de safadeza sua Messalina, impudica inveterada. Deus me livre de me trancar com você. Vou fazer o possível para receber a confissão, mas você do lado de fora, ajoelhada na almofada da banquinha e eu lá dentro, trancado e bem trancado de chave, apenas ouvindo. Vamos”.
Vendo os dois seguirem para um dos cantos da igreja onde ficava o confessionário, desconfiadas as outras deixaram os clamores, as lamúrias, as lágrimas e os chiliques por um instante e, observando tudo por um canto do olho, perguntaram aonde iam. Quando souberam do que se tratava começaram a dizer que também queriam, que a confissão seria o único jeito de prestar contas antes da morte certa, pois sabiam que dessa não sairiam com vida.
E o seminarista Tristão, preocupado com esse enxame de confissão, olhou pra trás e disse que tinha certeza que elas não precisavam, ao menos por enquanto, daquele sacramento num momento difícil como aquele, principalmente porque tinha certeza que – olhando para Rosinha – quase todas que estavam ali não tinham maiores pecados para confessar naquele momento.
E foi um olha pra cá e uma olha pra lá, cada uma mirando a outra e querendo sorrir, até que Filó abriu a boca e disse: “Eu não tenho pecado e só vou me confessar porque sou cristã e bem cristã. Não sou igual a umas zinhas que estão por aqui e que não haveria penitência nesse mundo que salvasse do fogo dos pecadores. Não é Custódia?”. E olhou para outra sorrindo, numa ironia de não acabar mais.
Porém Custódia deu o troco na hora: “Isso é comigo é, sua descarada, safada. Safada sim, pois todo mundo sabe que você bota ponta naquele corno velho que é seu marido...”. A ofendida Filó correu na direção da outra, sendo preciso que o seminarista corresse e ficasse no meio das duas, falando bem alto:
“Mas será possível que vocês não respeitam nem a igreja. Acabem já com isso que igreja não é janela nem quintal de vizinho pra vocês estarem com conversinha. Se quiserem sair agora para acertar as desavenças lá fora eu abro a porta agora mesmo. Querem?”. E as duas de cabeça baixa nada responderam. E Tristão continuou: “Agora cada uma vá pro seu lugar rezar e pedir perdão a Deus pelo que fizeram. E vão agora mesmo, senão eu mesmo pego cada uma pelo braço e jogo lá fora...”.
Quando já estava entrando no confessionário olhou pra trás para ver como estavam se comportando as briguentas e viu Custódia levantando o dedo maior da mão em direção a Filó, que estava dando banana com o braço. Achou melhor não dizer nada por enquanto, deixando para a hora da confissão. Agora quem queria confessar todo mundo ali era ele, e não precisava nenhuma pedir mais. E só queria ver como o império romano foi destruído, dando lugar a Sodoma e Gomorra.
Sentou do lado de dentro e pela janelinha falou baixinho, somente pra Rosinha ouvir: “Lembre que está confissão você não está dando a mim enquanto pessoa, enquanto seminarista, mas ao próprio Deus, que lhe ouvirá e já conhece todos os seus pecados. Por isso mesmo não pode mentir, pois ninguém omite nada diante de Deus e fica por isso mesmo. Ouviu bem? Então comece a confessar, calmamente, os seus pecados. Vá, minha filha, faça o sinal da cruz e comece...”.
“Bem, eu vou ter de contar tudo mesmo é? Meu Deus, e se não der tempo de terminar hoje? Mas vamos lá. Sabe o que é seminarista Tristão, antes mesmo de me casar eu já era espevitada, um tanto danadinha, fazendo coisas que sei que não estava certo pra uma mocinha de minha idade e de família fazer. Eu já tinha um namorado, até o homem com quem casei, mas é que eu era muito danada e achava que um namorado só era muito pouco. Então comecei a namorar com mais três escondido, até um dia que o namorado verdadeiro me pegou aos beijos com outro. Ele ficou com raiva, mas depois tudo ficou normal. Então arranjei mais um namorado. O problema é que por um descuido meu fiquei grávida e não sabia direito de qual namorado. Só sei que não era do meu namorado mesmo, que é o meu esposo atual. Aí eu contei a uma tia minha que me deu um chá com não sei quantas ervas e acabei perdendo a barriga. Depois disso, meus pais me forçaram a casar e acabei casando...”.
Tristão interrompeu para perguntar: “Então passou a respeitar o seu marido, não foi mesmo?”.
“Que nada seminarista Tristão, foi pior, foi muito pior. Já casada, então assuntei que podia ficar com qualquer um e se ficasse grávida dizia que era do meu marido. Pelo meu marido não, que sempre foi um bocó, mas não quis mais me encegueirar com tanto homem foi por medo da língua do povo. Sabe como é né, se a gente não faz inventa e se pega fazendo então é que tudo desaba mesmo. Aí, com medo das más línguas, fui deixando uns e ficando com outros, mas hoje eu só ainda me encontro nos escondidos com um mesmo, mas esse vale por todos. Faz tudo, tudinho, me pega...”
“Ora, me poupe com suas safadezas sua inveterada, sua devassa. Já chega não precisa confessar mais nada não que basta. Mas já que tem tanto pecado assim e não tem penitência que dê jeito, nem que a senhora abdique dessa vida suja que leva e vá morar num convento, só vejo um jeito de aplacar mais os seus castigos, que certamente serão muitos...”.
“Diga seminarista Tristão, diga...”, falou Rosinha com o olho brilhando mais que tudo. E o rapazinho religioso prosseguiu: “Por enquanto vá procurando tomar vergonha, se respeitar. Deixe esse macho, amante, seja lá o que for, e procure de agora em diante respeitar o seu marido. Somente assim será possível que mais tarde Deus lhe volte os ouvidos, pois agora está muito difícil...”.
“Mas eu queria sair daqui já com uma penitência, com alguma coisa que eu tenha de fazer pra Deus saber que estou ficando arrependida. O que faço, rezo dez ave-marias, vinte pai-nossos?”. E o seminarista, que já estava raivoso com aquelas revelações, perdeu a calma e falou:
“Não, reza não, é muito pouco. E não vou mandar ficar de joelhos em cima de milho porque senão você come o milho. Galinha gosta de milho, não é? Não vou mandar você se trancar num quarto por uns dias porque senão você sai pior. Então, a única penitência que posso lhe passar nesse momento é ficar um mês sem olhar pra homem nenhum...”.
Então ela se apressou e falou: “Vamos aumentar então. Eu fico três meses sem olhar pra peste de mulher nenhuma...”.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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