TEMPESTADE – 14
Rangel Alves da Costa*
As mulheres não deixaram de ouvir as palavras de Teté e então começou um zum-zum-zum danado. Tristão puxou o maluquinho pelo braço e o levou à sacristia para que ele explicasse melhor.
“Minha amiga, professorinha Suniá doente, meninos que disse, aluno dela. Ela também ensina sabia, além de ensinar também é apaixonada, sabia?”. Começou a explicar o maluquinho, mas já fugindo do assunto. “Deixe isso pra lá Teté, depois a gente conversa sobre isso. Agora me fale rapidamente tudo sobre essa história de doença. Ela corre perigo mesmo?”, perguntou o seminarista, agora mais Tristão do que nunca, pois ali era o rapaz que estava no maior alvoroço. E o outro continuou:
“Tá doente professorinha, meninos disse. Tá doente e muito doente, meninos disse, e vai morrer se não tiver remédio. Os meninos não pode sair de lá porque ninguém pode sair pra lugar nenhum, só eu que posso tudo. Foi eu que mandei chover assim de ponta de faca, de prego bem amolado. A chuva é minha, sabia? Por isso os meninos não pode sair de lá, só eu que posso fazer tudo agora. Posso andar, posso correr e cantar que não tem nada comigo não. Mas os outros, as pessoas não pode não, porque senão a chuva mata e a chuva é minha...”.
“Tá bom, tá bom Teté, eu sei que a chuva é sua, mas diga o que os meninos pediram pra você fazer”. “Os meninos pediu remédio pra professorinha Suniá. Ela tá doente com muita febre, com o corpo todo doente, gemendo, falando maluquice. Os meninos disseram tudo, e disseram que ela falou também o seu nome quando falava maluquice. Mas o seu nome não é maluquice não, porque ela é apaixonada por você, sabia?”.
E Tristão se desesperou ainda mais ao ouvir tais palavras. Pediu que Teté esperasse um pouquinho que ele ia ver se conseguia algum remédio ali mesmo na sacristia. Assim, acendeu uma vela, procurou de um lado a outro, tentou abrir os armários a todo custo, mas não tinha jeito, não encontrou nada.
Puxou novamente o maluquinho pelo braço e foram até onde estavam as mulheres para ver se alguma sabia onde encontrar um remédio diante daquelas circunstâncias. Todas continuavam numa algazarra que foi preciso Tristão gritar para que fizessem silêncio. Mas não adiantava. Mútuos xingamentos se ouviam vindo lá de dentro do confessionário, na porta de fora os grupos ainda berravam e esculhambavam umas com as outras.
“Vou colocar vocês lá fora agora mesmo. Ao menos passa uma enxurrada bem forte e leva vocês pra bem longe, suas insuportáveis. Agora calem a boca que eu quero falar...”, dizia Tristão, quando foi interrompido por Rosinha: “Já sei que vai perguntar se a gente tem algum remédio pra dar a professorinha, não é mesmo? Pois digo logo que eu não tenho. Se tivesse tava em suas mãos, pois gosto muito dela. Mas que mal lhe pergunte, ela tá doente do que mesmo, hein seminarista Tristão?”
“De amor, ela tá doente de amor por esse rapaz aqui...”, apressou-se a inocentemente o maluquinho, para tormento e vergonha do rapaz. “Eu já imaginava, eu já sabia que ela tinha mesmo uma paixão escondida, mas nunca que eu ia imaginar que era pelo seminarista. É mesmo Tristão, você não tá doente também não?”, indagou maliciosamente Filó, soltando uma gargalhada escandalosa.
Como o seminarista não respondia, parecendo todo apalermado, cheio de constrangimentos e nervoso demais, no mesmo instante Minervina interveio: “Deixe de palhaçada Filó, que isso é coisa séria. E ainda que ela tivesse mesmo apaixonada por ele não tinha nada de estranho nisso, pois os dois são jovens, bonitos e solteirinhos da silva. Não são como umas e outras que são casadas e se apaixonam por homem solteiro e também casado...”.
“Isso é comigo é, sua sirigaita, sua landrina desarvorada, diga, isso é comigo é?”. E querendo acabar de vez com a nova confusão, mas tão atordoado que não sabia bem o que pensar nem falar, Tristão acabou jogando uma cadeira no meio das duas e o silêncio se fez por completo no mesmo momento.
Depois de alguns instantes, com as mulheres amedrontadas e temendo até abrir a boca, coube a ele calmamente dizer: “Desculpem se machuquei alguém, mas preciso mesmo saber se vocês não teriam por aí algum comprimido ou outro remédio contra dor ou febre...”. Ninguém respondeu, continuando o silêncio total. Então coube ao maluquinho falar:
“Professorinha fica doente não senão morre. Mas ela tá doente e precisa de remédio, então vou ter de arranjar remédio pra professorinha. Ninguém ter remédio e nem vai ter, porque tá tudo fechado, escondido, o povo se trancou nas casa e se escondeu por medo. Tá tudo debaixo da cama com medo da chuva, por isso que não tem remédio, não tem comprimido, não tem farmácia, não tem doutor nem tem nada. Também não tem hospital não. Hospital tá cheio de água e caindo as paredes. Não tem ninguém lá não. Quem tava doente ou ficou bom ou morreu. Mas professorinha que tá doente não pode morrer. Vou arranjar remédio pra ela. Eu vou pedir pra fazer remédio pra ela, porque sei quem vai fazer um remédio que passa tudo. Vou pedir à minha mãe Culó que ela faz mais ligeiro com umas plantas lá do quintal. Vou fazer isso porque a culpa é minha porque não tem remédio pra professorinha. Se eu quisesse mandar parar de chover tinha remédio, mas não vou mandar parar não, só quando chover bem muito, mas bem muito mesmo. Ninguém acreditava no que eu dizia nem fazia, por isso é que mandei chover bem muito e choveu...”
Tristão e as mulheres prestavam bastante atenção nessa conversa do maluquinho, afirmando que tinha mandado chover e podia parar a chuva, acabar com a tempestade, mas preferiam não acreditar no que ele dizia, naquilo que não deveria passar de mais uma maluquice. Mas ele continuou dizendo uma coisa que atiçou ainda mais o interesse em todo mundo:
“O povo manga muito deu, quer bater eu, bate sem eu fazer nada. Agora esse povo é quem mais tá tendo medo, pois eu mandei que a tempestade fizesse bem medo a eles. Só vou mandar a tempestade ir embora quando eu quiser, mas por enquanto não quero. Eu não porque eu quero brincar lá fora debaixo da chuva, com os trovão, os raio, os relâmpago e o vento dem forte. Nada disso me faz medo porque eu mando neles. Quer ver? Vou mandar dois trovão bem grande estourar agora. Pode escutar...”.
E todos ficaram boquiabertos ao ouvir dois estrondos infernais lá por cima no mesmo instante. E rapidamente Tristão falou: “Então faça parar a tempestade, homem de Deus. Faça parar que é pra gente poder arranjar logo o remédio da sua amiga...”. Mas ele prosseguiu:
“Agora não. Mas também eu não mando na tempestade sozinho não, pois tem uma pessoa lá em cima que manda também, às vez até mais do que eu. Só quando eu pedir pra ele mandar parar de chover é que ele me escuta. Mas ainda tá cedo, deixe chover muito mais. Mas eu já vou...”.
“Vai pra onde filho Deus, vai pra onde? Vamos lá agora mesmo pra escolinha, vamos...”, praticamente gritava Tristão. E Teté respondeu já se virando para sair: “Vou lá pra casa mandar fazer o remédio. Minha mãe vai fazer. Mas você não vá pra lá não senão vai morrer, olhe o que tô dizendo...”. E saiu feito um raio.
E não demorou muito, não dando ouvido às mulheres implorando para ele não arriscar a vida numa tempestade daquelas e as outras duas gritando desesperadamente que abrisse a porta se fosse mesmo sair, ele retirou-se apressado, sem guarda-chuva ou proteção alguma, feito um enlouquecido em direção à escola.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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