SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 25 de maio de 2011

JÁ QUE CHOVE TANTO... (Crônica)

JÁ QUE CHOVE TANTO...

Rangel Alves da Costa*


O tempo andava quente demais, fazendo muito calor, numa quentura de deixar muita gente agoniada, angustiada, sem ânimo pra fazer nada. Temperatura elevada demais tem esse poder de desanimar e ao mesmo tempo deixar as pessoas mais embrutecidas, raivosas, com o sangue exageradamente quente.
Por mais que reclamem das altas temperaturas, muitas pessoas da cidade não gostam quando a chuva vem com vontade. Basta dar uma chuvarada forte e logo começam a reclamar de tudo, que não podem sair, não podem lavar roupa, não podem ir à praia, que a vida fica um transtorno. Sobra sempre para São Pedro, o bom velhinho guardião do chuveiro.
Contudo, em outros lugares essa situação se inverte, pois a chuva é sempre bem vinda e na quantidade que for, mas quanto mais forte melhor. Muito demorada não, apenas forte e constante na medida de molhar bem a terra, fazer os tanques e as barragens se encherem, proporcionar uma paisagem verdejante e cheia de esperanças. É aguaceiro como benção divina.
Lá pelas bandas do sertão é assim, sempre muitas as preces e orações para a chuva chegar e assim que ela bate à porta pra uma visita mais demorada o povo se enche de encantamento e felicidade. Não sabe se vai colher, mas certamente vai plantar; não sabe até quanto tempo vai ter comida e água para os animais, mas mesmo assim só há que pagar promessas.
E nós, aqui dentro dessas paredes, sentindo também com encantamento a chuva que bate no telhado, molha a vidraça e cai lá fora, lavando ruas, espantando as mágoas e as desesperanças, o que vamos fazer agora?
Vamos também plantar, meu amor. Chegou a hora e a terra espera que espalhemos pelos sulcos no nosso jardim tudo aquilo que ainda não tivemos tempo de cultivar. Para o momento, uma semente de flor vermelha para enfeitar o seu cabelo; para mais tarde, flores do campo para enfeitar nossa casa e nossas manhãs; para sempre, uma árvore enorme, de vasto sombreado, que é para nos acolher nas tardes de namoro e beijo.
Vamos lá para o fundo da casa, para o quintal, onde as águas que se derramam pelo telhado e escorrem pelas calhas nos convidam ao banho que há muito tempo não tomamos. Banho de chuva, de chuva pesada, com muita água escorrendo pela cabeça e caindo pelo corpo nos faz crianças novamente, nos faz querer brincar e brincar de amor.
Vamos sair pelas ruas abraçados, cantando, dançando, festejando a festa das nuvens que cai sobre nós. Existem quantos momentos assim, meu amor? Quantas recordações boas nos chegarão nesse bailado molhado, nesse pular de alegria porque somos diferentes e não temos medo da chuva?
E aqueles casais que estiverem em suas casas, ao nos enxergarem pelas janelas também sairão para a festa, para o grande salão da natureza e valsarão como jamais valsaram, cantarão como jamais cantaram, se encharcarão de felicidade como jamais ficaram e a vida ficará em paz, como diriam Jobim e Chico.
Mas vamos ainda deixar a chuva lá fora e nos reencontrar aqui dentro, pois precisamos desse momento para compartilhar com alguns bons amigos que nem sempre nos dão o prazer da visita. Diminua um pouco mais a luz e dê as boas vindas aos dois cálices que chegam acompanhados de um vinho sem rótulo, faça Tchaikovsky derramar um “Andante Cantabile”, talvez uma valsa vienense de Strauss. Se uma nuvem entrar pela sala vamos subir nela ouvindo Enya, com a certeza de uma doce viagem.
Mas ainda é cedo e a chuva continua forte lá fora. Às vezes dá sono tanta chuva assim, por isso mesmo é bom deitar no calorzinho da cama. E não dormir...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Toninho disse...

Chuva que faz fartura, que leva tudo, que encanta e faz inspirar.Chuva que causa lamentos a mesma chuva que faz alegrias e assim a inspiração para um aconchego, um momento de extase ao sabor de um belo vinho.Meu abraço amigo e por aqui ela desce e faz até frio.