NOVÉJIAS MERICANAS: CORAÇÕES QUE SANGRAM
Rangel Alves da Costa*
Lá pelas distâncias da província de Guamarán, lugar de herdades potentosas e sobrenomes que deveriam sempre ser pronunciados com altivez e reverência, secularmente duas principais famílias se digladiam pelo mando do lugar: Miraflores e Aguillera.
A família Miraflores, proprietária de grandes rebanhos e latifúndios e sob o comando de Don Estéban Miraflores, é inimiga de fogo a sangue da família Aguillera, proprietária de empresas de laticínios e tendo à frente o arrogante e temido Don Arando Aguillera. Motivo da secular discórdia: o amor.
Os mais velhos contam que lá nos primeiros tempos, quando as duas famílias ainda eram pequenos núcleos procurando apenas meios de sobrevivência, dois jovens de lados diferentes começaram a se enamorar e a dar início a uma triste história de amor.
Mesmo vizinhas, porém sem nunca se tratarem cordialmente, já travando uma relação ciumenta pelo que produziam nas terras, as duas famílias tiveram os ânimos exaltados porque o jovem Estebanez Miraflores de vez em quando pulava a cerca para ir se encontrar às escondidas com a bela Milagres Aguillera.
Quando foram descobertos, tanto um lado como o outro contratou pistoleiros para dar fim à vida dos apaixonados. Dando cabo à sorte do estranho ao seio familiar, impediriam que mais tarde o sangue inimigo corresse nas veias da família. Assim, Estebanez e Milagres foram tocaiados e mortos bem próximos um do outro, quando já se preparavam para mais um encontro às escondidas.
Depois dessa tragédia travou-se uma verdadeira guerra entre os membros das famílias rivais, cada uma acusando a outra pela morte do filho e ocasionando outras mortes e aumentando ainda mais as desavenças, as discórdias e as violências mútuas.
Muitos e muitos anos depois, quando a morte dos amantes parecia esquecida, mas ainda continuavam mais intensas as rivalidades e as ameaças, eis que um novo fato começou a surgir e colocou prontamente os chefes dos dois clãs em alerta e vigilância. Eis que à boca miúda comentavam ter visto Cristina Miraflores se encontrando sorridentemente com Jorge Augusto Aguillera.
E disseram mais: não era a primeira vez que se encontravam pelos campos, cada um cavalgando seu belo alazão, e depois do encontro desciam dos animais e iam andando calmamente, e cada vez mais próximos um do outro, em direção à cachoeira das paixões. E deram também como certeza terem visto os dois abraçados e enlaçados num beijo ardente e apaixonado.
Ao ouvir tal confirmação, Don Fernando y Fernandes Miraflores deu um soco na mesa e exigiu que o comprometido com Cristina, o milionário Henrique Fuentes de La Córdoba, tomasse as devidas providências ou ele mesmo iria cuidar ao seu modo daquela infâmia. E o mesmo fez o pai de Jorge Augusto, Don Arando y Arando Aguillera, que jurou jamais permitir que uma desonra igual a esta se abatesse sobre sua família.
Mas as mesmas pessoas que contaram aos familiares sobre os encontros amorosos dos jovens apaixonados, vendo e sentindo a reação desses pais imediatamente correram para alertar os dois. E assim tanto Cristina como Jorge Augusto ficaram sabendo que se continuassem se encontrando correriam risco de serem vítimas do ódio familiar ainda alastrado.
Então, os dois, ao invés de tentar desmentir rapidamente aquelas insinuações, resolveram, ao mesmo tempo, revelar para todos que estavam perdidamente apaixonados e que não era nenhuma intriga familiar que os separaria. Ademais, se preciso fosse abandonariam até o lar e renegariam os sobrenomes de família para poderem viver aquele imenso amor.
E isso caiu como verdadeiras bombas nas duas famílias. Cristina fugiu antes de ser enviada à força para um convento. Jorge Augusto decidiu que deixaria sua família levando consigo apenas seu animal de estimação. E em desesperada velocidade alcançou Cristina que corria atordoada pelos campos da fazenda de seu pai.
Ao alcançá-la, sem frear o animal, apenas esticou o braço e colocou a amada na garupa. Mas não conseguiram sair das terras do pai dela, pois foram encurralados e mortos por pistoleiros a mando do pai dele, bem na saída de uma gruta onde descansavam escondidos, na cachoeira das paixões.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adev1@hotmail.com
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