NUM DIA DE FEIRA
Rangel Alves da Costa*
Antes mesmo de o galo cantar muita gente já tá na estrada carregando cestos na cabeça, guiando burros de carga, em carros de bois, levando nas mãos toda sorte de coisas.
Galinha caipira, ovos, tatu, peba, pimenta malagueta engarrafada, pamonha feita ao anoitecer, molhos de coentro e de cebolinha, folhas de ervas medicinais secas e verdosas, abóbora, melancia, tudo enfim. E todos seguem direção à cidade porque é dia de feira.
As barracas se espalham dentro, fora e até mais distantes do velho mercado que vende de tudo. Ali o cabra encontra a carne de porco e de boi, o peixe, a pilombeta, a farinha, o feijão, o açúcar, a roupa de chita, a calça de marca genérica, os cosméticos duvidosos e os perfumes importados de qualquer garagem. Mas é bonito que só.
Não só bonito como apetitoso, pois não demora muito e das barraquinhas de venda de comidas sobe aquele cheiro forte, apetitoso, aromático, anunciando que quem estiver com fome já pode ir se esbaldar com o sarapatel, a buchada, a carne de bode, a carne frita, o porco assado. Quem preferir outra coisa pode optar por uma moqueca de peixe, um fígado acebolado ou o prato à moda casa.
Se engane não, o fato de ser feira de interior não impede de ter os melhores pratos, as comidas preparadas com gosto, bem gordurosas e apetitosas. Mas mal não faz a ninguém, pois é difícil alguém botar a colher na boca sem antes tomar uma relepada de cachaça na infusão. E assim vai a mistura da branquinha com angico, umburana, quixabeira, bonome e muito mais.
Também tem catuapa, mistura pra iludir velho murcho e murchado, cajuína e kisuco, xarope e até muncuzá e arroz doce. Tem pote, moringa, prato de estanho, metro de pano por um conto de réis, livreto pendurado no barbante, o homem que corta cabelo no meio do tempo e o rapaz que vende boi de barro, carrinho de madeira e boneca de pano, tudo feito artesanalmente e com o maior esmero do mundo.
E tem também Zequinha, que foi ali na feira arrastando o único cachorro da família, tentando vender a todo custo pra comprar um remédio pra o pai doente de cama. Filho único, meninote, saiu de casa cedinho e deixou os pais chorando. Desfazer daquele cachorro era o que menos queriam, mas ou vendiam o caçador amigueiro pra comprar o remédio ou o pai corria risco de morrer.
Dizia que estava sentindo um vazio doído por dentro e pedia por tudo na vida um remédio de dor, qualquer um. Então o jeito era vender o cachorro, pois não restava nem vintém pra comprar fumaça. E assim o menino seguiu com o animal para a feira e começou a gritar pelos cantos: “Não tem caçador igual, fareja tudo que o caçador quiser, preá, onça pintada e mulher”.
Já perto do meio dia e a feira fervilhava de gente. Pessoas ainda chegando e outras já saindo com suas sacolas. Muitos não podiam sair dali com mais do um quilo de carne com osso, outro quilo de tripa e outro de bucho. Já outro comprava apenas a farinha e o feijão e meio quilo de toucinho de porco pra dar o gosto. E assim a feira cumpria com seu destino.
E já meio desesperado, gritando demais sem que ninguém se interessasse pelo amigo, começou a ficar com fome e chega ficava de boca salivando quando passava nas barraquinhas e via os pratos espalhados na mesa. Pedir não pedia de jeito nenhum. Preferia morrer de fome, mas não pedia de jeito nenhum.
Nunca havia se submetido na vida e não era agora que ia esmolar um pouco de comida, principalmente porque até sabia que podia conseguir, mas antes tinha que ser esnobado, olhado de banda, humilhado até por gente sem ser melhor do que ele em nada. E mesmo faminto prosseguiu oferecendo seu amigo à venda, agora dizendo os reais motivos de ter que vendê-lo a qualquer custo.
Mas não teve jeito. Já perto da tarde, com a feira já encerrada, catou pelos cantos umas frutas e verduras caídas no chão, foi juntando o que encontrava e colocando tudo num saquinho. Depois disso seguiu pela estrada, retornando à casa, sem ter conseguido o remédio do pai.
Chegou o pai estava dormindo. A mãe perguntou o que levava no saco e ele entregou os produtos catados na feira. E foi um sorriso só no rosto da pobre mulher, que correu pra cozinha preparar uma sopa.
Assim que o marido acordou, antes de falar que não teve jeito de arrumar o remédio, ela foi colocando colheradas de sopa na sua boca. Engoliu dois pratos e não demorou muito levantou dizendo que não sentia mais dor nenhuma, já estava bom.
Ora, remédio algum ia curar a dor da fome. Era fome a doença do homem.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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