SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 10 de maio de 2011

TEMPESTADE - 1 (Conto)

TEMPESTADE – 1

Rangel Alves da Costa*


Logo após lavar os pratos do almoço e sair até o quintal para estender no varal um pano de cozinha, a dona de casa, conhecedora demais das formações do tempo bastando um simples olhar para o horizonte, colocou a mão acima dos olhos, mirou as nuvens que se formavam por trás de umas montanhas e deu um grito chamando o filho.
“Cuide Zezinho, cuide pra ir lá no mato catar a lenha porque vejo quem vem chuvarada mais tarde, e não é pinguinho não, mas chuva de escorrer pela terra mesmo. Anda menino, tenha cuidado com os bichos, com as cobras, e venha logo. E que Deus nos livre de cair chuva além do que a bacia daqui de baixo pode suportar. Vá Zezinho, vá meu filho...”. Disse Firmina, após ajeitar o lenço que carregava sempre na cabeça.
Zezinho entrou novamente em casa e voltou num instante, carregando nos ombros as cordas que serviriam para amarrar o feixe de lenha e trazer na cabeça. Assim que avançou pelos descampados e adentrou na mataria sentiu o gado mais agitado, mais nervoso, ruminando ruidosamente, caminhando incessantemente de um lado para o outro. Não era normal àquela hora do dia, principalmente no começo da tarde, que os animais estivessem num aperreio tamanho daquele jeito.
Passarinhos passavam em revoada, as folhagens das árvores pareciam gemer. O tempo estava quente demais, muito abafado, calorento de nem banho passar tanta quentura. Quem olhasse para a terra seca parecia enxergar fumaça levantando do chão, com os bichos rastejantes sassaricando por cima e correndo desesperados para as sombras debaixo das pedras. Os mais velhos diziam que as pedras suavam em momentos assim.
Esse clima apavorante era ainda mais quente e inquietante ali pertinho, no centro da cidade. Fabiana dizia que se demorassem mais uns dias sem chover todo mundo ia acabar morrendo esturricado. Já tinha tomado dois banhos e continuava queimando feito um vulcão, suando de pingo espanar quando passava o dedo pela testa. Água gelada não fazia efeito, muito menos janela aberta e ventilador ligado por perto. Nada parecia fazer efeito.
Na frente da casa, mais adiante, debaixo de um pé de pau, o esposo Antonio, de bíblia na mão, como fazia sempre quando ia sentar um instantinho naquele local, antes de sair para o trabalho, explicava para dois amigos o que o livro sagrado do Gênesis dizia com relação ao dilúvio. E lia em voz alta:
“Aqui no capítulo seis, versículo dezessete, o Senhor diz a Noé: Eis que vou fazer cair o dilúvio sobre a terra, uma inundação que exterminará todo ser que tenha sopro de vida debaixo do céu. Tudo que está sobre a terra morrerá.
E mais adiante, no capítulo sete, versículo quatro diz: Dentro de sete dias farei chover sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites, e exterminarei da superfície da terra todos os seres que eu fiz.
E mais adiante a bíblia conta o resto sobre a invasão das águas: Passados os sete dias, as águas do dilúvio precipitaram-se sobre a terra. No ano seiscentos da vida de Noé, no segundo mês, no décimo sétimo dia do mês, romperam-se naquele dia todas as fontes do grande abismo, e abriram-se as barreiras dos céus. A chuva caiu sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites. O dilúvio caiu sobre a terra durante quarenta dias. As águas incharam e levantaram a arca, que foi elevada acima da terra. As águas inundaram tudo com violência, e cobriram toda a terra, e a arca flutuava na superfície das águas. As águas engrossaram prodigiosamente sobre a terra, e cobriram todos os altos montes que existem debaixo dos céus; e elevaram-se quinze côvados acima dos montes que cobriam. As águas cobriram a terra pelo espaço de cento e cinqüenta dias.
O fim dessa aflição é contada assim, segundo diz aqui o texto bíblico: Ora, Deus lembrou-se de Noé, e de todos os animais selvagens e de todos os animais domésticos que estavam com ele na arca. Fez soprar um vento sobre a terra, e as águas baixaram. As fontes do abismo fecharam-se, assim como as barreiras dos céus, e foram retidas as chuvas. As águas foram-se retirando progressivamente da terra; e começaram a baixar depois de cento e cinqüenta dias.
Isso para vocês terem uma ideia da força de Deus perante as forças da natureza. E se ele quer que por aqui continue esse calourão todo e também essa estiagem, é porque há de ser assim. Só Deus sabe o momento de tudo acontecer, só ele sabe o tempo certo da estiagem e da trovoada. Se for pra chover, então ninguém desanime que a chuva vai começar a cair mais cedo ou mais tarde...”.
Foi interrompido por um amigo que disse: “Sei não, mas olhando lá pra riba sinto que vem trovoada ainda hoje e das mais pesadas. Pelo jeito, quem já catou lenha catou e quem não catou vai ser tarde demais. Olhem lá por trás daquela montanha se não tem formação de nuvem carregada demais. Juro por Deus que vai cair pingo grosso e não vai nem demorar muito. Já vou embora senão não vai dar tempo nem de chegar em casa”.
Olhando pra cima mais atentamente, Antonio constatou a veracidade das palavras do amigo e disse: “Tem razão, vem chuva e vem muita. Vou logo bater meu ponto e volto que é pra Fabiana não ficar sozinha. A coitadinha se pela todinha quando sente a chegada de trovoada”.
E ouviu a mulher gritando que fosse até lá ligeiro. E Antonio se despediu dos amigos e foi atender ao chamado da esposa. Assim que chegou, sentiu profunda aflição naquele semblante que tanto gostava. E parecendo com o corpo trêmulo ela implorou: “Meu nego, não vá trabalhar hoje mais não. Olhe lá pra cima e veja que vem chuva de cair canivete. E já tô com medo de me pelar todinha. Tá certo meu nego, deixe pra ir lá trabalhar só amanhã, viu?”.
E Antonio acabou decidindo que ficaria ali ao lado da esposa. Se pôs um instante de pé na porta e sentiu a natureza completamente mudada. O sol havia sumido, o tempo agora era de um amarelado triste, pesado. As árvores da praça começavam a balançar com a ventania que aumentava, folhas voavam por todos os lados, um ruído assustador chegava de bem longe e zunia nos ouvidos como a dizer que virão momentos difíceis, tempos de aflição.
Em muitas casas, as portas batiam no vai-e-vem ruidoso, as ruas eram tomadas de poeira, as pessoas iam sumindo, tudo ficava mais deserto e assustador.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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