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sexta-feira, 20 de maio de 2011

TEMPESTADE - 11 (Conto)

TEMPESTADE – 11

Rangel Alves da Costa*


Ao ouvir o nome Tristão repetido tantas vezes da boca da professorinha, Aninha, sempre ela, foi logo dizendo que já tinha ouvido falar nesse nome. Mas Murilo tirou logo toda a dúvida que pudesse continuar pairando:
“Tristão que eu conheça só existe um por aqui, que é o seminarista. Aquele mesmo que quando não está estudando pra padre só vive entocado dentro da igreja. Parece até que ele já tá dizendo coisa de missa, pois vejo quando umas mulheres vão até lá, com jeito de beata e de bíblia na mão...”.
Tiquinho ajuntou que só podia ser esse mesmo. E disse mais: “É esse mesmo, esse tal de Tristão que a professorinha tá falando aí. Ele não tem nem pai nem mãe e é neto daquela velhinha que vende cocada quebra-queixo lá subindo a Ladeira dos Quatro-Ventos. Só pode ser esse, e é esse mesmo. Mas não entendo é porque a professorinha, doente e variando, falando coisa com coisa por causa da doença vai logo dizendo o nome desse rapaz, que não é nem mais gente normal, pois vai virar santo...”.
“Deixe de besteira Tiquinho, virar santo que nada. Ele é gente como a gente, só que vai ser padre. E tenho certeza que a professorinha não tá gostando muito dessa história dele ser padre não...”, ia falando novamente Aninha, quando foi interrompida por Tonico:
“Então você quer dizer que a professorinha é apaixonada por esse tal de Tristão? E se for mesmo apaixonada e o rapaz não puder nem namorar porque vai ser padre, então a professorinha deve estar sofrendo muito. Coitada da bichinha, mas a gente tem de ajudar a ela. E veja como são as coisas, como a gente descobre o que nunca ia imaginar, pois isso só foi ouvido porque ela tá variando, falando sem saber que tá revelando um grande segredo...”.
“E que segredo. Mas não sei se a gente vai poder ajudar ela não. Quando ela ficar boa, acordar e levantar eu mesmo não vou ter coragem de puxar nesse assunto, e muito pior hoje, com esse problema todo. E tem outra, se a gente falar que ouviu ela dizendo o que disse, fraca como tá, corre até o risco dela ter um piripaqui, uma coisa muito pior e até deixar a gente pra sempre...”, disse Murilo.
E Aninha, assanhada sempre, nem dava tempo que os outros falassem e se metia logo a dizia o que queria. “Vire essa boca pra lá Murilo, que com fé em Deus nunca acontecerá nada de ruim com a nossa amiga Suniá. Mas quanto a esse negócio de perguntar a ela sobre Tristão sem que ela fique ofendida ou desconfie de nada, eu acho que posso dar um jeito nisso...”.
“Vai fazer o que criatura de Deus?”, perguntou Tiquinho. “Deixe comigo, deixe comigo...”, respondeu Aninha. Nesse instante, Carminha que estava abaixada tocando no rosto dela pra sentir se estava com febre, deu um verdadeiro grito: “Ela tá queimando feito fogo, toda suada, com um suor frio se espalhando pelo corpo, mas tá queimando feito fogo e tremendo. O que a gente vai fazer, meu Deus?”.
“Só tem uma coisa que a gente pode fazer se ela estiver mesmo tão mal assim, que é sair por aí, mesmo debaixo dos perigos dessa tempestade e ir procurar ajuda em qualquer lugar, pedir um remédio, pedir a alguém que chame um médico ou venha até aqui pra ver se pode ajudar. Vamos ver se ela tá do jeito que Carminha disse mesmo, pois se for verdade a gente vai ter que se arriscar de qualquer jeito...”. Disse Tonico cada vez mais preocupado, lembrando sempre que ele havia sido o causador desse problema todo com Suniá.
E de repente um monte de mãos estava sobre o rosto, os cabelos e os braços da amiga, confirmando tudo que Carminha havia diagnosticado. E se ouviu ainda: “Não me deixe morrer Tristão, venha me salvar Tristão”. Ao ouvir tão desesperadas palavras, ainda que vindas de alguém quem nem imaginava estar pronunciando qualquer coisa, Aninha começou a se desesperar e chorar.
“Vamos logo pedir um remédio seja lá onde for, vamos logo...”, disse ela. “Nós vamos, mas você dessa vez não vai de jeito nenhum. Vai eu, Tonico e Beto, você não, pois sair assim, num tempo desses, sem saber o que vai encontrar pela frente, só mesmo pra homem”, logo sentenciou Tiquinho.
Então Aninha começou o maior escândalo do mundo, catando uma cadeira pra jogar no amigo, esperneando, chorando ainda mais alto, dizendo palavrões. “Fique quieta sua doida, sua sorte é que a professorinha está nesse estado senão você ia ver o que é bom pra tosse. Tá bom, tá bom, vamos logo, mas fique sabendo que se você for arrastada pela água é problema seu. Vamos...”. E Tiquinho pediu pressa aos outros.
Assim que colocaram os pés na porta, quando já iam seguir pelo pátio em direção ao portão, caminhando com cuidado, segurando nas paredes, tateando ali e acolá, ouviram uma voz cantar bem alto lá fora, como se alguém estivesse passando em frente ao muro da escolinha na maior alegria da vida, ainda que ao redor o mundo estivesse acabando.
Os meninos logo se espantaram com o que ouviam. Não era possível que alguém pudesse estar cantando debaixo de uma desgraceira daquela. Talvez tanto barulho estranho, misturado aos pingos grossos caindo, a ventania zunindo e os trovões com suas rouquidões assustadoras, fizesse com que parecessem estar ouvindo algo que não tinha razão de estar ocorrendo.
“Vamos mais pra perto”, disse Aninha, segurando na mão de Beto e de Tonico. “É, vamos”, confirmou Tiquinho, dizendo que ficasse sempre um pertinho do outro. Assim, com muito custo chegaram ao portão. E a voz se fez mais alta, mais audível. “Quem é que está aí?”, gritou Tiquinho. E acrescentou: “Se for gente conhecida responda que estamos precisando de ajuda. A professorinha Suniá está muito doente e estamos precisando de ajuda, e o mais depressa possível”.
E a voz parou seu canto e o vulto surgido debaixo da luz do relâmpago se apressou a falar: “A professorinha, a professorinha, a professorinha doente, aonde, cadê a professorinha?”. E os meninos reconheceram aquela voz e aquele vulto, e outro não era senão o maluquinho Teté.
Num instante ele deu um salto e já estava entrando pelo portão, todo afobado, agitado, preocupado, e falando: “Onde tá a professorinha? Gosto muito da professorinha, conversa, amiga, gosto muito. Professorinha não pode tá doente não, gosto muito dela, ensina eu escrever, falar, dizer nome das coisas. Onde tá ela?”.
Inicialmente assustados demais, se acalmaram após sentirem que o maluquinho estava também demonstrando preocupação. Sabiam que ele não era de fazer maldade, de atacar ninguém, por isso contaram toda a história e antes de pedir ajuda perguntaram como ele conseguia cantar debaixo de um tempo medonho igual aquele.
E ele simplesmente respondeu: “Tô cantando pra chuva ficar alegre e chover mais, mas quando eu quiser ela para”. Se ali estivesse com qualquer claridade os meninos se veriam olhando um para o outro, achando essa história toda muito estranha. Se ele quiser a tempestade para? Ficou se perguntou Aninha.
Contudo, nem tiveram tempo de buscar outras explicações para esse fato novo, pois foram novamente surpreendidos quando ele disse que ficassem ali que logo voltaria com o remédio pra ela ficar boa. E em seguida saiu apressado, porém cantando.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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