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segunda-feira, 2 de maio de 2011

MEMÓRIAS SILENCIOSAS (Crônica)

MEMÓRIAS SILENCIOSAS

Rangel Alves da Costa*


As recordações, com suas afluências nos pensamentos, lembranças e saudades, nem sempre são silenciosas como as pessoas desejariam. Se a mente entristecida viaja em quietude para buscar revivências, o mesmo não ocorre na manifestação de outros sentimentos que surgem nesses momentos.
Não é raro que após o instante contemplativo na janela, o olhar mudo nas cartas e fotografias, a calma de brandura e introspecção no deleite do luar, a pessoa mude repentinamente seu estado comportamental por força da explosão de sentimentos.
Consequencia da passagem dessa calmaria contemplativa ao furor sentimental é a enxurrada barulhenta que começa a cair dos olhos e ressoar em soluços incontidos, gestos desesperados de quem esmurra a parede, joga objetos por todos os lugares, grita bem alto maldizendo a sorte, tanta solidão, tanta angústia, tanto desespero.
A dor, o desespero, a angústia, a tristeza e tantos outros sentimentos mortificantes da alma têm que se expressar assim de modo tão abrupto, impetuoso, agressivo? Verdade é que poucas pessoas têm o dom espiritual de dosar as variantes positivas e negativas, de modo que não se expressem nem tão exacerbadas nem tão dilacerantes.
Contudo, também é verdade que a maioria deixa que o instante se proclame com a força e a vontade que vier, sem nenhum limite ou tentativa para conter os exageros. É essa maioria que grita sozinha, que rasga ruidosamente a fotografia, que quer destruir todo ao redor, que se rebela através de palavras contra o seu Deus, que fica à beira da loucura.
Mas nem todo mundo é assim, de modo a extravasar somente quando preciso ou absurdamente extravagante todas as vezes que as tristes recordações, as saudades pujantes, surjam para lhe atormentar. Não, pois pessoas existem que dificilmente dão conhecimento nem ao outro nem ao ambiente em que está do seu momento angustiante, da sua situação de amargura.
É raro, é difícil, é muito difícil de se encontrar, mas pessoas existem que são dotadas do que pode ser denominado de memórias silenciosas. Não são diferentes em nada das outras, e talvez até mais explícitas nas suas aflições e angústias, na suas dolorosas lembranças e destruidoras saudades, porém com o diferencial da suportabilidade, desse fator imprescindível que as tornam silenciosas ainda que na dor gritante.
Se poderia dizer, então, que estas são as tão conhecidas pessoas que preferem sofrer caladas para não dar o braço a torcer, talvez por egoísmo ou dureza de espírito mesmo. Mas não tem nada a ver. Aquelas, quanto mais querem demonstrar impassividade, dureza, enrijecimento espiritual, mais sofrem, mais agonizam e de tal forma que causam piedade ao vê-las nos cantos com suas realidades escondidas.
Por sua vez, estas outras pessoas que têm o dom de possuírem memórias silenciosas caracterizam-se como tal porque também têm o poder de reconhecer a viver as realidades sem rodeios ou subterfúgios. Estas não negam a existência das coisas nem suas feições positivas e negativas, sabem compreender que a vida é realmente cheia de momentos difíceis, até como forma de se situarem no passado e presente.
As memórias silenciosas também choram a mesma lágrima, gritam o mesmo desespero, sofrem a mesma angústia, convivem com a mesma solidão. Porém, vivenciando tudo isso com a certeza de que os momentos e as experiências passadas não podem ressurgir para reabrir feridas ou desafiar a própria existência, mas apenas como a relembrança de situações que podem e devem ser superadas.
Esse sentimento de que as angústias e aflições podem ser superadas é o que torna a memória silenciosa num estado apenas de tristeza e não de extrema agonia, é o que torna a pessoa apenas menos alegre e não em situação de desespero. Até que o silêncio por vezes quer mesmo gritar, mas essa memória tão consciente da pessoa apenas sussurra que tudo passa, tudo passará.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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