SOBRE SOMBRAS
Rangel Alves da Costa*
Sobre sombras caminhamos, sem o disfarce nem o poder de dizer que somos delas diferentes, mais que elas, melhores do que elas.
Sobre sombras caminhamos e ainda assim nos sentimos sozinhos, tristes, abandonados, sem quem nos ouça a aflição e ajude a enxugar a lágrima.
Sobre sombras caminhamos e caminham nossos e outros passos, que também são nossos, pois das sombras e de todos os passos que caminhamos acompanhados sem saber.
Sobre sombras caminhamos sem que o tempo nublado ou a chuva impeça que nos encontremos e nos avistemos, ainda que pensemos que sua existência depende dos dias e instantes ensolarados.
Sobre sombras caminhamos fazendo o que sempre fizemos com nós mesmos, sem olhar para os nossos passos, sem tentar nos ver internamente e ao redor, sem que expressemos a mínima importância de que não somos apenas o que está à nossa frente.
Sobre sombras caminhamos buscando sempre onde o passo seja mais fácil e não haja nenhuma pedra no meio do caminho, mas não procuramos o lugar mais seguro para caminhar, ainda que seja mais difícil e que leve adiante também a nossa sombra.
Sobre as sombras somos nós mesmos e quantos de nós já tenhamos vivido achando que ninguém está ao nosso lado e nos acompanha, pensando que somos donos dos nossos atos e que nada testemunha nosso passo escondido.
Sobre as sombras levantamos dos escombros, afastamos a poeira, olhamos adiante e seguimos em frente, sem ao menos imaginar que ao erguer o corpo tocamos no ombro da sombra para nos sustentar.
Sobre as sombras não somos tão sombrios porque achamos que todas as tristezas, sofrimentos e desesperanças devem ser deixados para trás, precisamente nos braços da sombra que nos acompanha.
Sobre as sombras estamos nós sem perceber que somos nós, e ainda que nos reconheçamos na sombra inseparável, sempre será para imaginar que aquilo não passa de sombra de uma sombra qualquer, pois somente nós poderemos ser o que quisermos.
Sobre as sombras pulamos o muro, entramos no atalho, saltamos a cerca, subimos a serra, descemos a montanha, e fatigados, cansados, exasperados, sentamos para descansar bem ao lado da nossa sombra tranquilamente descansada e pronta pra caminhada.
Sobre as sombras procuramos correr, entramos na casa, fechamos a porta, apagamos a luz, ficamos felizes porque a sombra não existe mais para nos seguir, para nos incomodar. Só não sabemos que a sombra é bem maior, está presente em tudo, em todo aquele lugar sombrio, escurecido, que não conseguimos nunca nos esconder.
Sobre sombras deitamos para sonhar com dias alegres e cheios de sol, com inevitável sombra; levantamos para a janela e a manhã e logo nos chegam as sombras do dia procurando a nossa sombra para caminhar juntas, nos confundindo pela vida afora.
Sobre sombras deitamos no sombreado da imensa árvore e ali repousamos até que o sol vá afastando a refrescante sombra; mas se adormecemos profundamente, ainda que a sombra do sol siga adiante poderemos sonhar com a sombra da nossa sombra.
Sobre sombras estão todas as luzes e cores, pois sombra é cor emanada de um ser iluminado, vivo e de feição própria, seja da cor que for; é paisagem refletindo o ser e o fazer do pintor que segue adiante, e muitas vezes sem saber que sua arte, sua criação, nunca o abandona.
Sobre sombras caminhamos e é por isso que chegamos, ainda que não tenhamos nenhuma humildade para olhar ao lado ou atrás e agradecer por a sombra não ter ficado estendida num cemitério qualquer.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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