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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 28 de maio de 2011

FILOSOFIA DA MELANCIA (Crônica)

FILOSOFIA DA MELANCIA

Rangel Alves da Costa*


Não sei se você já percebeu, mas a grandeza e a boniteza, a sedosidade e o verdor da casca, não significam que por dentro a melancia vá estar com a polpa vermelhinha e apetitosa, aquosa e docinha, nutritiva que se derrama pelos cantos da boca.
Não sei se você já percebeu, mas as talhadas vistosas e maravilhosas que são expostas para apreciação dos compradores nada têm a ver com o que está por dentro das outras melancias que estão bem ao lado, na mesma banca do vendedor.
Não sei se você já percebeu, mas não adianta comprar uma melancia achando que ela é grande e bonita e lá por dentro vai estar igualzinha àquela que você experimentou e que fazia parte do mesmo monte das outras que estão à venda.
Não sei se você já percebeu, mas tamanho e sedosidade da casca da melancia não dizem nada do seu volume, cor e doçura interna. Mesmo que todas sejam imensas e do mesmo tamanho sempre serão diferentes internamente; a cor da melancia, mais vermelha ou quase embranquecida, não modifica a doçura. Melancia linda existe cujo doce anda longe.
Não sei se você já percebeu, mas toda melancia, por suas características e aparências, é igualzinha ao ser humano, igualzinha a qualquer um, tanto no chão onde nasce com facilidade, na estação que começa a vingar e a crescer, como na casca que engana e na polpa que engana muito mais. Em tudo.
A melancia muitas vezes é imensa, parecendo que tudo dentro dela é também espaçoso, mas basta um pequeno corte para perceber da finura da sua casca, de quase nenhuma semente, mas, o que é pior, sem a carne vermelhinha esperada nem a doçura desejada. Alguma coincidência com certas pessoas?
Pela aparência física da pessoa não dá para se conhecer o seu conteúdo espiritual. Muitas vezes, a aparência que muitos repulsam, que acham feio ou ignoram, encobre apenas um ser humano maravilhoso, um doce de pessoa, uma alma bondosa e amiga. Por isso é que não se pode desprezar a melancia que nasce no canto do pasto, toda sem jeito de querer crescer, miúda demais para ter coisa boa por dentro, mas quando a sede bate e se procura por ela encontra uma fruta dos deuses.
Melancia da roça, de roçado caipira mesmo, de pasto pequeno e diminuto roçado, aparentemente nem se compara com aquela que é plantada nos eitos molhados, nas irrigações, sob os cuidados diuturnos. A primeira quase não é plantada, pois nasce de uma semente levada por uma galinha, de restos jogados ao acaso, e quando vinga vai querendo se esconder e chama pra si toda folhagem que por perto houver.
Já segunda é fruto de semente escolhida, selecionada, muitas vezes trabalhada em laboratório, cuidadosamente plantada, cuidada e colhida. Uma tem cara de qualquer coisa, de qualquer esfera sem verde definido esquecida num canto. A outra faz sorrir o olhar, encher a boca de água, orgulhosamente dizer que aquilo é que é fruta maravilhosa.
Contudo, no momento do corte de uma é que pode surgir a grande surpresa. Aquela que ninguém dava nada se abre bonita, vermelha, sadia, doce feito mel sertanejo. Aquela ainda que seja vermelha, de coloração parecendo tingida, nem sempre tem o autêntico sabor e a doçura daquela outra com sua humildade. E quando a melancia cultivada em irrigação é doce, logo se verá que é uma doçura enjoativa, como se um açúcar tivesse sido espalhado por cima dela.
As pessoas também são exatamente desse jeito. Considerando-se a melancia pequena e feia como pessoa, logo se verá que há um olhar que sempre prefere enxergar aquela outra bonita e enfeitada que nasceu e vive na cidade grande, educada nas boas escolas e de anel brilhoso no dedo.
O sertanejo, a pessoa do campo, da cidade acanhada, é a melancia que ninguém valoriza porque não tem uma feição bem cuidada e atrativa. Mas na hora de se matar a fome e a sede, que se chega na busca da amizade sincera, do apoio irrestrito e do compartilhamento em tudo, não há o que se comparar.
A melancia da cidade até que pode ser aquilo que os olhos desejam ver, mas o bom e autêntico fruto é muitas vezes somente é encontrado lá por trás de uma porteira de pau, lá dentro de um casebre, escondidinho, acanhado, mas inigualável igual melancia sertaneja.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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