UMA FOLHA QUE CAI
Rangel Alves da Costa*
Uma folha que cai será apenas uma folha que cai, caindo, desabando lentamente, indo em direção ao chão talvez repleto de outras folhas?
É preciso muito cuidado com a resposta que se possa dar, pois por trás do simples ato da folha que cai podem estar escondidas coisas que vão muito além do que imagina nossa vã filosofia, como diria o poeta.
Se for outono, mais precisamente ao final da estação, logo irão imaginar que a folha cai como um fato normal, corriqueiro, pois as folhas se pintam de ocre, amarelo, cinza e ferrugem para depois ir caindo lentamente.
Se a folha cair ao entardecer, bem no momento que o vermelho-amarelado do sol vai se escondendo por trás das nuvens, dirão que assim como a tarde que vem e vai embora a folha nasce e morre para que surja outra folha manhã em seu lugar.
Se for no meio da noite, cortando madrugada adentro, dirão que a folha que cai apenas deixa o seu espírito pairar pelo ar, com uma parte subindo às alturas e outra deitando ao túmulo, vez que tudo que já está muito envelhecido escolhe a escuridão da noite para morrer.
Se a folha cai ainda verdejante, sem a presença dos mistérios descoloridos do outono, haverão de perguntar aos pássaros, às outras folhas, aos habitantes da natureza, o que realmente houve pra que uma folha tão saudável se desprendesse do seu galho ainda vivendo os melhores momentos de sua vida.
Se a folha, de tão frágil e acinzentada que está, mais magra e mais flácida, mais parecendo uma réstia de folha, fica tremulando vagarosamente no galho, num pêndulo de desespero e dor, apenas esperando que a brisa da tarde se transforme em ventania para ser levada pelo ar, haverão de dizer que uma doença qualquer lhe afligia.
Se for no entardecer do poeta que pelo jardim passeia entristecido pelos desvãos dos seus versos, ainda que a folha vá caindo diante dos seus olhos, aquele será um momento de vida e não de perda, pois assegurará que a folha nunca cai para a morte, vez que sempre se ouvirá seu farfalhar nas noites de vento leve na lua cheia.
Mas, e se a folha não cai por que folha de outono, não se fragiliza e esmorece por que está doente, não despenca de lá de cima por que chegou seu momento de partir, não deixa de ser folha por que tudo na vida um dia deixa de existir?
E se a folha, ao invés de todas essas suposições, simplesmente cai por que quis, decide cair por que premeditou a queda, vai se jogar pelo ar ainda de olhos abertos, vai chegar ainda viva ao chão e somente depois se tornar folha morta? E se a folha suicidou?
Foi exatamente no início desse outono que a folha se apaixonou. Muita gente acha que não, que é impossível, mas folha também se afeiçoa, encontra beleza nos outros, passa a enxergar com olhos de carinho, sente desejos, começa a amar, se apaixona.
E foi exatamente o que aconteceu com aquela folha: paixão. Se já não estava tão forte, disposta, cheia de vida e de cor como nas outras estações, a partir do instante que olhou com cuidado para outra folha que sempre vivia escondida, foi como se todo o amor do mundo se mostrasse diante de si.
E se perguntou por que não tinha enxergado aquela linda folha antes, porque nunca tenha reparado com atenção, por que não havia descoberto tanta delicadeza e tanta doçura naquele verde-ferrugem puxando a cinzento. E dias e noites a fio fixou o olhar para perceber que a outra folha também lhe olhava e sorria.
O último sorriso que avistou foi logo próximo a chegada do entardecer. Sentia que ela queria falar, dizer alguma coisa, conversar. E ficava sorrindo, jogando beijos, porém cada vez mais entristecida, pois sabia o que logo lhe aconteceria.
E o vento chegou, a ventania soprou mais forte. E a folha apaixonada avistou quando a outra folha foi arrancada e tornada folha ao vento. Assim que a ventania passou, tudo ficou em silêncio, ela mesma se desprendeu do galho e foi lentamente caindo.
Hoje mora dentro de um livro, um romance belíssimo de amor, que é o céu das folhas mortas.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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