A REUNIÃO ANUAL DAS FOFOQUEIRAS
Rangel Alves da Costa*
Alguém, rapaz ou mocinha, pai ou mãe de família, ninguém sabe ao certo, não suportando mais tanta fofocagem em seu local de moradia, envolvendo até pessoas inocentes e bem honradas, resolveu agir para dar um basta naquela situação e optou por um procedimento inusitado.
Pensou e pensou em algo bem chamativo e resolveu mandar confeccionar uma imensa faixa com os seguintes dizeres: INSCRIÇÕES ABERTAS PARA O ENCONTRO ANUAL DAS FOFOQUEIRAS E FOFOQUEIROS DA AV. CARLOS BULAMARQUI.
Tendo sido colocada ainda na madrugada, ao alvorecer e a faixa estava estendida no local mais movimentado da avenida. As portas e janelas foram se abrindo e de repente as calçadas estavam cheias de gente comentando sobre quem poderia ter feito aquilo.
Ora, logo começaram a dizer que não podiam aceitar uma desonra daquela, um insulto às pessoas dignas e honradas daquela localidade. Foram se reunindo os grupinhos, conversando sobre o melhor a se fazer, com uns opinando por prestar uma queixa policial e outras simplesmente por arrancar aquilo dali e tocar fogo na hora.
O problema foi que uma pessoa da outra rua ia passando e ao ouvir os planos disse que quem fizesse alguma coisa para retirar a faixa estaria entregando o jogo, estaria deixando claro que estava ofendido ou ofendida porque é da qualidade dos mentirosos. Aí tudo embananou de vez.
Sem saber o que fazer, com os carros passando mais lentamente para ler os dizeres e passageiros gargalhando em seguida, com moradores de outras ruas acorrendo até o local em verdadeira procissão, com pessoas dizendo abertamente que nunca mais passariam num lugar de pessoas que enxergavam o que não viam e falavam do que não existia. Como se vê, a situação se complicava.
Agora não mais em grupos, mas apenas numa conversa entre dois ou três, os moradores da avenida começaram a ficar pelos cantos e portas conversando e, talvez sem perceberem o que faziam, já confirmando precisamente o que a faixa queria dizer. E as fofocas, ainda cedo do dia, começaram a rolar soltas.
“Mas comadre, que maldade com a gente. Até hoje nunca soube que alguém daqui vivesse fofocando, a não ser aquelas duas do outro trecho, que todo mundo sabe que só não falam mal dos defuntos com medo deles aparecerem”.
“É verdade comadre, isso é uma grande maldade com pessoas honestas como a gente e que só vive pra o que acontece da porta de casa pra dentro. Aqui em casa mesmo eu não admito conversinha sem ter certeza, como faz aquela ali e aquela outra. Por falar nisso, você sabe que a filha daquela ali quase morre com o remédio que tomou pra não engravidar do namorado?”.
“Foi mesmo amiga? Que não saia da boca de nós duas, mas eu já soube que é a segunda vez que ela faz isso”. E aquela que nem imagina que está sendo falada se aproxima e cumprimenta um pouco entristecida as outras duas. E depois diz:
“Só queria saber quem fez isso com a gente. Me dá um ódio de mandar matar. Já pensou, dizer que aqui tem fofoqueira? Vocês duas mesmo são exemplo de pessoas que nunca na vida abriram a boca pra dizer um tantinho assim de quem quer que seja...”.
“Isso é verdade amiga. Antes de você chegar eu tava dizendo a ela como as pessoas daqui são corretas e decentes e até citei você como exemplo. Dá prazer ter uma amiga como você, mulher casta e de família de atitudes irretocáveis”.
“Obrigada amiga, faço o que posso. Mas voltando ao assunto, Deus me perdoe, mas só fico imaginando que foi gente daqui da avenida mesmo e do outro trecho, que só tem gente que não vale nada. Você soube daquela metida a besta que tomou umas azunhadas da esposa do homem que ela tava saindo? Pois foi minha filha, e dizem que foi o maior babado...”.
“Mas daquela família ali não se salva um. O mais novo, não sei não. E isso sem falar do mais velho, que vive fazendo tramóia escondido...”.
Nisso vem passando o padre conhecido e pergunta sobre o que estão conversando. E uma responde:
“Falando sobre os preparativos da novena seu padre”.
“Ainda bem minha filha, ainda bem. Senão vou achar que o dinheiro que gastei com essa faixa foi bem proveitoso”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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