SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

MENINA VESTIDA DE OUTONO (Crônica)

MENINA VESTIDA DE OUTONO

Rangel Alves da Costa*


Durante muito tempo, desde o nascimento, passando a infância e até chegar à adolescência, a menina se vestia principalmente de primavera. Gostava de vestir-se dessa estação porque sempre bela, carregando flores na face e no olhar, sorridente, alegre, cheia de manhãs ensolaradas em sua vida. Mas não podia fugir das mudanças, das incertezas do tempo.
Assim, como é próprio também no ser humano, não podia viver distante das características das outras estações. Não. Como sempre acontece nesse período de vida, de vez em quando era toda verão, toda espevitada, aproveitando o calor do sol e os momentos mais convidativos para brincadeiras e passeios.
Depois era outono, com a certeza de que logo muita coisa mudaria na sua vida, pois não teria eternamente aquela idade; em seguida se transformava em inverno, frienta, solitária, entristecida com as chuvas batendo na vidraça da janela do seu quarto; não durava muito e de repente despertava para a primavera, retomando suas alegrias numa vida de muitas cores.
Contudo, numa daquelas manhãs se olhou no espelho e começou a perceber que já havia passado a idade da meninice, de tantas brincadeiras e diversões, da mais pura inocência. Não queria, mas já conhecia e compreendia quase tudo na vida, já lhe aflorava todas as manifestações dos sentimentos, já começava a enxergar os limites entre o prazer e a dor, a alegria e o sofrimento, a fuga e o inevitável.
Depois desse instante, caminhou até a janela e se pôs a pensar num meio de jamais abandonar de vez aquela idade tão doce, de jamais ter de deixar para trás tudo aquilo que gostava de brincar e de fazer, tudo aquilo que lhe fazia se sentir em liberdade, sempre alegre, sem os desconfortáveis afazeres dos adultos. E nasceu uma tristeza tão grande que dali em diante, e por muito tempo, se transformou numa menina vestida de outono.
Vestida de outono principalmente porque, ainda que não tivesse essa exata noção, estava em pleno período de mudança, de renovação, de sair de um estágio de vida e entrar numa nova estação, de ter que experimentar o seu corpo mudando, ver brotar sentimentos novos, desfolhar muito das experiências passadas e caminhar sob novas expectativas, novos sonhos e planos. Tudo tão próximo das transformações outonais.
Vestida de outono porque se mirava no espelho e era como a meiguice, os cabelos de tranças, a roupinha de chita, o sorriso inocente, o olhar imenso para a felicidade, tudo fosse tendo as mesmas transformações dessa estação onde as folhas murcham e caem, onde os jardins ficam mais entristecidos, onde a natureza parece chorar de tristeza.
Havia ainda uma boneca de pano enfeitada, um diário colorido de arco-íris, a mesma casinha de brincar com as portas abertas esquecida no canto do quarto, o batom vermelho da mãe que gostava de se pintar, as maquiagens que gostava de usar, a menina brincando de gente grande. Enfim, a menina que só experimentava ser adulta para ter a certeza de que não queria seguir para a próxima estação.
Por compreender que tudo irremediavelmente muda, apenas silenciava e entristecida se punha a se perguntar por que as pessoas têm que crescer, se tornar adultas, e dali em diante dividir os poucos momentos de alegrias e felicidades com muitos instantes de tristezas, angústias, sofrimentos e solidão. E quanto mais se interrogava mais se tornava outono, mais se tornava triste, mais se tornava como uma tarde de folha ao vento.
E quando ela saía do seu quarto, pra qualquer lugar que caminhasse, quem a olhasse veria a menina envolta numa verdadeira atmosfera de outono, de tarde dormente, com suas árvores desfolhadas, com a brisa leve balançando a frágil folha, com a balé de cores tristes, ocres, amareladas, cinzentas, marrom, cores sem cor, e adiante um chão tomado por restos adormecidos da natureza.
Até hoje, muitos anos depois, já moça feita lutando pela vida, ainda parece uma tarde de outono. Só que chovendo sempre...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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