SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 24 de maio de 2011

AMOR PELA PEDRA (Crônica)

AMOR PELA PEDRA

Rangel Alves da Costa*


Desde novinho começou a se interessar por tudo que dissesse respeito a pedra. Na verdade, tudo começou quando saiu de baleadeira na mão pra caçar passarinho e tropeçou numa pedra e caiu. Levantou e deu um chute nela, aí não teve mais como esquecer.
Encontrou um pé de araticum no caminho, viu lá em cima um fruto verdoso, quis testar se estava bom de pontaria, colocou a mão no bolso, tateou e escolheu uma pedra redondinha, levantou-a até os olhos e nasceu o encantamento.
Esqueceu de mirar o araticum e ficou uns três minutos olhando a pedra, achando a coisa mais estranha e diferente do mundo, mais dura, mais engraçada, mais bonita e ameaçadora, mais instigante, mais tudo.
Sentou numa pedra grande e ficou com a pedrinha na mão pensando um monte de coisas. Olhou para o chão e viu que por ali havia um monte de pedras espalhadas e disse a si mesmo que o mundo estava cheio de coisas maravilhosas e interessantes, pois a pedra era a coisa mais esplendorosa que já havia encontrado.
Tanto tempo mexendo com pedra, jogando pedra, arrumando pedra, sentando em cima de pedra, e sem nunca se dar conta daquela descoberta incrível. Se na primeira vez que conheceu uma pedra tivesse feito aquela descoberta de hoje tudo talvez seria muito diferente na sua vida.
Naquele dia não quis mais caçar passarinho nem jogar pedra em araticum. Estava completa e definitivamente encantado com tudo que dissesse respeito às pedras, fosse um grãozinho ou um rochedo. E por falar em rochedo, caminhava imaginando quantos segredos não deveria haver num rochedo, quantas coisas bonitas e desconhecidas haviam por cima e dentro dele.
Chegou em casa e a primeira coisa que fez foi guardar a peteca e ir na casa do avô fazer algumas perguntas sobre a sua nova paixão. Assim que chegou à malhada avistou o velho com uma marreta nas mãos e pronto para desfazer em mil pedaços uma pedra grande que estava à sua frente. O menino correu e gritou para o avô que nem pensasse em fazer aquilo. Destruir a pedra de jeito nenhum, nem pensar.
O avô então perguntou por que aquela preocupação toda com a pedra. E ele respondeu que desculpasse, mas naquela manhã quem iria fazer as perguntas era ele e precisava que o avô respondesse tudo certinho porque o assunto era muito importante. Então fez com que o senhor sentasse na pedra que ia destruir e ficou diante dele pronto para as indagações.
Vô, como as pedras nascem? Não nascem, meu neto, elas apenas aparecem por aí, nos montes, nas encostas e pelo meio do mundo. Vô, as pedras têm família como a gente? Penso até que tem, pois tem pedra que parece demais uma com a outra. Vô, as pedras sentem dor, choram, sorriem, dormem e acordam? Aí é difícil de dizer meu neto, pois toda pedra que conheço é sempre triste, fechada, quieta demais. Por isso que deve ter sentimento sim. A gente também é assim, fica fechado feito pedra, mas todo roendo por dentro. Vô, se a gente insistir e ficar insistindo com a pedra será que ela fala com a gente? Acho meio difícil meu neto. Conheci uma pessoa que conversava muito com uma pedra, mas era doido varrido. Tenho medo que você cisme de conversar com uma e o povo passe a dizer que você enlouqueceu. Mas por que tanta pergunta assim sobre pedra, meu netinho?
E o menino olhou pra bem longe e com um jeito triste demais respondeu: É que acho que as pedras são assim tão duras, tão tristes, tão caladas e sozinhas porque as pessoas nem ligam pra elas. Só lembram delas quando querem jogar em alguém, matar passarinho, fazer calçamento, murar as casas ou desmanchar elas de pedacinho em pedacinho pra fazer um monte de coisas. Bem assim, duro e triste, seria a gente se só fosse para ser usado.
Vendo o neto falar tudo isso, o velho ficou imaginando onde ele queria chegar com as próximas palavras. E o menino continuou: As pessoas erram quando falam em ter um coração de pedra. Se todos tivessem coração de pedra viveriam tranqüilos, quietos, nos seus lugares, esperando dos outros atenção e carinho. E teriam tudo isso para retribuir.
As pedras precisam que falem com ela, que se aproximem e toquem. É esse o coração silencioso que ama a seu modo, e com o amor mais verdadeiro do mundo. E seria bom que ninguém jogasse mais uma pedra sequer, apenas recolhesse e sentisse suas verdades.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: