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quarta-feira, 18 de maio de 2011

ARREPENDIMENTOS DO FILHO INGRATO (Crônica)

ARREPENDIMENTOS DO FILHO INGRATO

Rangel Alves da Costa*


Até que hoje não, pois o filho se acha cumpridor com perfeição do seu papel de prole, dando a benção, respeitando os pais naquilo que for preciso, lembrando deles todas as vezes que esteja em dificuldades, mas um dia verá que cumpriu apenas uma parte do seu dever filial.
Assim, chegará um dia que ouvirá a música de Titãs e lembrará que deveria ter amado mais os seus pais, querido mais, adorado mais, respeitado mais, compartilhado mais, tudo muito mais porque eles mereciam ainda mais.
Não significa que o filho seja ou tenha sido ruim ou ingrato com seus pais. Nada disso. O indivíduo às vezes faz realmente aquilo que acha que merece ser feito perante sua condição de filho. Traz o sobrenome, revela alegre que graças a Deus continuam vivos, faz desse laço familiar uma dependência que tenta encobrir a todo custo.
Por ser filho e gostar tanto de seus pais é que faz tudo para não sair debaixo da saia da mãe nem do chapéu do pai. Posterga o quanto pode sua mudança, diz que ainda não tem condições de enfrentar a vida sozinho, que ainda não sabe como é viver sem a presença dos dois.
Claro. Não falta roupa lavada e passada, comida quentinha na hora que chega ou está com fome, um chá ou comprimido ao menor sinal que vai gripar, a vida boa que toda casa dos pais possui, ainda que seja empobrecida. Nesse caso, o prazer é na medida do que se tem e proporciona o maior prazer.
Nessas condições, dificilmente o filho pensa em arrumar sua mala e ir morar sozinho. A grande maioria só sai de casa após o casamento ou se arranjar um emprego em outro lugar. Mesmo assim faz de tudo para estar entrando de porta adentro e remexendo em tudo que encontra pela frente. É a saudade de casa, é a falta dos seus, é a busca de recarregar a vida que vai ficando vazia demais pela ausência.
Por seu lado, os pais, estes seres que Deus une e não nos permite contradizer, fazem do filho já adulto, maduro demais, apto a ter todas as responsabilidades, verdadeira criança que mereceria continuar nos braços atentos da mãe e cuidados diuturnos do pai. E por isso mesmo eternizam-se os mimos, os cuidados exagerados, as preocupações constantes, as ajudas e os apoios, tudo para que a sua cria viva com o máximo de segurança e na plena felicidade.
E têm tanta felicidade quando sentem o seu filho realizado que naquele momento dizem que já podem morrer em paz porque vão deixá-lo encaminhado na vida. E, juro por Deus, sempre fazem muito mais do que qualquer filho imagina, pois somente o sacrifício diário e o suor dos tempos para testemunhar uma união totalmente vivida para que o filho encontre o melhor e mais justo caminho.
Contudo, chega um dia que a casa que o filho tanto amava começa a se fechar. O pai morre e é como as janelas não precisassem mais ser abertas para o sol da esperança entrar. Quando a mãe se vai, num adeus que os olhos daquele que ama jamais deixa de enxergar, as portas da casa são fechadas e tudo parece querer arrebentar com as lembranças que chegam.
Então, o filho começa a recordar dos pais e sentir que não soube vivenciá-los como deveria quando estavam ali ao seu lado; começa a ter certeza que apenas foi filho, mas bem poderia ter sido mais amigo, mais presente, mais apaixonado por aqueles dois cuja paixão não era outra senão ele próprio.
Daí tanta saudade, verdadeira saudade, mas dentro do coração um tanto de mágoa que grita porque não soube ser filho como deveria. Deu mil buquês às namoradas, mas não se lembra de ter entrado em casa com uma flor; passeou demais com os outros, mas não recorda de ter segurado nas mãos dos pais e chamado para ir até a praça tomar um sorvete. Esqueceu dos beijos, dos abraços, dos carinhos, dos mimos, de tudo aquilo que deveria ter feito.
Mas será que é tarde demais? Se você for pai ou mãe saberá se é tarde demais; se algum dos seus pais já partiu saberá se é tarde demais; se estiver verdadeiramente arrependido saberá que não é tarde demais. O perdão é amor, e quem pede perdão pelo que deixou de fazer será perdoado e todo amor recompensado, ainda que os anjos sejam portadores desse tanto amar.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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