UMA PAIXÃO DIFERENTE
Rangel Alves da Costa*
Recentemente saído de uma relação conturbada, deixando marcas tão profundas e difíceis de ser superadas, ele pensou em desistir de vez de tudo que dissesse respeito ao amor, às relações amorosas, às paixões. Era a desilusão em pessoa.
Não penso que uma desilusão amorosa, uma paixão reconhecida inexistente ou um desvão desses que atacam o coração, surta um efeito tão penoso num ser humano, deixando-o aos pés de um estágio de querer destruir a própria vida. Contudo...
O abalo foi, podemos dizer, tão sismicamente brutal e cruel que o rapaz, para não enlouquecer de vez, passou a se atirar aos pés de tudo aquilo que fosse fêmea que passasse à sua frente, ao seu lado, enfim. O problema é que não passava nenhuma mulher, mas só animais.
E passava cada perua enfeitada, cada galinha bonita, cada pata elegante, cada cachorra saliente, cada lebre fofinha, cada jumenta interessante, cada vaca bem cuidada, cada cabrita cheirosa, cada tigresa envolvente. E passava sempre também muitas cobras, sempre lisinhas, furtivas, misteriosas. Mas na dúvida se macho ou fêmea acabou nem olhando mais.
Não se sabe se porque estava completamente louco pela desfeita amorosa ou em vias de atirar pedras, mas a verdade é que começou a retomar alegria no coração, ficar mais feliz e contente, com essas tantas novas fêmeas que encontrava pelo caminho. Muitas vezes pelos matos, descampados e quintais.
De repente e havia esquecido completamente aquela maldita, aquela ingrata que tão fortemente havia ferido seu coração. E isso porque nem tinha mais tempo de pensar no passado, reviver as tristezas de ontem, pois voltado completamente para o cheiro, o canto, os gritos, as expressões próprias daqueles animais apaixonantes.
Não podia ouvir o cacarejar de uma galinha e ia pra pertinho jogar uma flor e um punhado de milho. Enquanto ela ciscava e ia catando os grãos, sem se importar com a flor, ele ficava ali abaixado, totalmente admirado, encantado com tanta formosura daquela espécie galinácea. E dizia a si mesmo que qualquer dia conversaria com ela, abriria de vez seu coração.
Não podia ouvir o mugir de uma vaca e lá ia correndo com outra flor e um punhado de palma fresquinha para oferecer à pretendida. Às vezes ela mordia a flor e a deixava de lado, mas saboreava vagarosamente cada pedacinho daquele cacto novinho, macio, colhido com tanto amor para outro verdadeiro amor. Ele sentia que ela queria dizer alguma coisa, pois ficava mugindo, se lambendo toda, e então ficava em tempo de pular de alegria e gritar para o mundo que enfim havia encontrado seu eterno bem-querer.
Não podia ouvir o miar de uma gata no telhado que ia correndo buscar uma escada para subir até lá, levando na mão a flor e qualquer comida apetitosa. Arisca, desconfiada, intrigante demais, e por isso mesmo mais feminina e mais sexy, a gatinha ia se afastando quando ele se aproximava e só dava um passo à frente quando ele deixava os presentes ali e fazia que ia embora. E no seu íntimo inebriado ficava muito mais feliz porque sabia que um dia iria conquistar aquela fêmea que se fazia tão difícil.
Amava tanto essas fêmeas de pasto e quintal, de cercado e mataria, todas elas perfeitas para compartilhar do seu grande amor e de uma feliz união conjugal, que gritava aos quatro ventos que era pessoa mais feliz e realizada do mundo. Contudo, amava demais e tantos amores ruminantes, felídeos, bubalinos, carnívoros, vegetarianos e muito mais, que não sabia quem amava mais e quem escolheria para a benção eterna dos casais apaixonados.
Mas que aflição tamanha, horrenda situação essa de um coração tão apaixonado e tão indeciso. O pior é que sabia que ia ser devorado pela tigresa se ela não fosse a escolhida, tinha certeza disso. Os outros sumiriam de vez de sua vida e jamais ouviria um cacarejar, um miado, um uivo, um canto, um pio, um balido, nada. Pensou e pensou e quanto mais pensava mais se via sem saída. Coitado do rapaz!
Até que um passarinho pousou no seu ombro e disse assim: Se você não sabe, mas ali naquela casa chegou uma fêmea nova, bem diferente dessas daqui. O nome dela é Maria e é a única espécie que não vai causar ciúmes nessas outras. Basta que você continue dando milho, palma, resto de comida, alpiste... Vá lá, tente namorá-la e reaprenda verdadeiramente como e a quem se deve amar.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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