SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO - I

NO REINO DO REI MENINO – I

Rangel Alves da Costa*


Não se sabe onde nem quando, em qualquer tempo perdido no tempo, um velho ia por uma estrada e parou para descansar um pouco debaixo de uma árvore frondosa, de muitos frutos e muita sombra.
Depois de atravessar uma vereda estreita, o velho chegou até a árvore, colheu alguns frutos, saciou a fome, bebeu um pouco de água do cantil, fez de travesseiro o surrado bornal de andante, pensou um pouco na caminhada que ainda tinha pela frente, cochilou e dormiu. Adormeceu e logo sonhou.
“Ao teu lado esquerdo, perto do lugar aonde a sombra vai encontrando o sol, e onde está brotando uma plantinha azulada, é aí que deve cavar, com o cuidado de não arrancar a raiz da plantinha, até encontrar uma caixinha de madeira, feito um pequenino baú. Pegue com cuidado esse objeto, coloque novamente a terra como estava, deixe tudo no seu devido lugar. Não poderá abrir a caixinha de jeito nenhum, apenas segure-a com cuidado e siga seu caminho, sem olhar para trás. Seguindo pela estrada, avistará um pequeno córrego de água transparente. Vá até sua margem, abra com cuidado o pequenino baú, leia o que está escrito no papel guardado dentro dele e depois jogue a madeira nas águas do córrego, mas não o papel com o que está escrito. Este deverá ser jogado para o ar, pois o vento se encarregará de levá-lo para o lugar certo. Depois siga novamente o seu caminho e vá espalhando o que leu. Não faltarão pessoas para ouvi-lo. Isso eu garanto e assim será”, eis o que o velho sonhou.
Naquela idade, conhecedor dos mistérios da vida e dos segredos dos sonhos, ele não indagou pra si mesmo em nada sobre o acontecido. Se havia sonhado, que as ordens do sonho fossem cumpridas. E assim foi feito. Naquela tarde e nas tardes seguintes, em diversas regiões diferentes, pessoas viram uma folha de papel lá no alto, esvoaçando lentamente pelos ares, sem se aproximar do chão, sem perder seu rumo, apenas seguindo em frente.
Seguindo pela estrada, cumprindo ainda as ordens do sonho, e não se sabe bem os motivos, mas as pessoas o chamavam, ofereciam descanso e alimento e pediam para que falasse sobre um sonho que todos andavam comentando. E mais uma vez ele fazia o relato e finalizava com o conteúdo do que estava escrito:
“Debaixo do sol, de norte a sul desse lugar, num reino fragilizado e com um rei amedrontado, surgirá um menino para salvar o rei, o reino e o seu povo”.
Mas isso não quer dizer quase nada, era o que a maioria das pessoas dizia. Viviam num reino, tão antigo como a própria história, acostumados ao modo de viver repassado de gerações a gerações, satisfeitos com os direitos e as obrigações impostas, protegidos pelas forças do reino, enfim, tudo na normalidade desejada por todos.
Ademais, o rei, mesmo que dificilmente alguém obtivesse permissão para lhe fazer uma consulta – e era visto somente durante as caçadas e por ocasião das grandes festividades – gozava de plena saúde e vigor, estando cada vez mais poderoso, reconhecido e temido pelos outros povos. Diziam até mesmo que a sua esposa, uma bondosa e graciosa rainha, havia dado à luz há poucos meses um belo menino, tão desejado por seus pais e por todo o reino, vez que o casal ainda não havia gerado filhos, o que preocupava em termos de sucessão do trono.
Diante de tais circunstâncias, nada demais poderia haver naquele sonho tão comentado por todos. Foi assim que pensaram. Contudo, como nunca há unanimidade nas conversas e nos fatos que se espalham, aqui e acolá se ouvia, aos buchichos, pelos cantos, que aquela mensagem deveria ser decifrada de uma maneira diferente, pois o que o escrito quis realmente dizer era que o reino estava enfraquecido e que seria invadido por homens comandados por um rei muito novo, ou que o rei poderia perder o trono porque agia feito uma criança, ou ainda que iria nascer um menino para ser o futuro rei e salvar o reinado. Enfim, as insinuações eram muitas e por isso mesmo foram sendo esquecidas, com a grande maioria das pessoas relegando o fato ao esquecimento.
Até que numa tarde de verão, com o calor gracejando das idéias e dos pensamentos, chega correndo um jovem camponês com um papel abarrotado na mão. Era a mensagem descrita no sonho, só que agora com palavras escritas também no verso, no outro lado da folha. E estas diziam:
“O rei nasceu, mas o reinado poderá morrer”.

continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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