NOVO DICIONÁRIO DO AMOR
Rangel Alves da Costa*
Dizem que o amor, enquanto sentimento que uma pessoa nutre por outra, surgiu numa época indeterminada da história, nos labirintos insondáveis do tempo, quando alguém olhou para outro alguém e sentiu que havia melhor coisa para se fazer do que andar perambulando sozinho. Adão e Eva são apenas um exemplo dessa junção entre homem e mulher, cuja relação existente nem de longe se assemelha aos amores de entrega absoluta, sem medo do pecado nem de não ser também amado.
Mas o que é o amor? Sabe-se somente que tal qual um rio que vai jorrando abundantemente sua essência, também tem seus afluentes, que circundam ou seguem ladeando o curso principal, e que muitos denominam de querer, de desejo, de prazer, de relação, de apetite, de afeto, de atração, de carinho, de paixão.
Contudo, se quisermos uma definição de amor para os dias atuais, bem como de seus afluentes, pouco poderá ser alcançado ao folhear um dicionário pomposo, desses do tipo Aurélio, Houaiss, Aulete ou Michaelis, dentre outros. Em todos estes, o amor é apenas um conceito sentimentalista ultrapassado, um sinônimo de virtude espiritual do ser humano, uma definição utópica para uma atitude – o amor é uma atitude – que há muito ganhou contornos que escureceriam de vez os mosteiros. Vejamos sobre o que estamos afirmando.
Segundo o Dicionário Aurélio, amor é 1. Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa 2. Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro ou a uma coisa, devoção, culto, adoração. 3. Inclinação ditada por laços de família. 4. Inclinação sexual forte por pessoa de outro sexo, geralmente de caráter sexual, mas que apresenta grande variedade de comportamentos e reações. 5. Afeição, amizade, simpatia. 6. Aventura amorosa, amores.
Para o Dicionário Houaiss, o amor é atração afetiva ou física; adoração, veneração, culto; afeto, carinho, ternura, dedicação; aventura amorosa; caso, namoro; ato sexual; o ser amado; demonstração de zelo, dedicação, fidelidade; apego ao que dá prazer, paixão, fascínio.
Por sua vez, o Aulete define o amor como sendo o sentimento que faz alguém querer o bem de outrem ou de alguma coisa; afeto profundo, devoção de uma pessoa a outra; sentimento terno e caloroso de uma pessoa por outra, inclusive de natureza física e sexual; relação amorosa; o ato sexual; inclinação, apego ao que desperta prazer ou empatia.
Outros dicionários indicam no mesmo sentido, pressupondo o amor dentro de um ideal de pureza, de dedicação e virtuosidade. Contudo, cadê o outro amor, aquele que vivenciamos nos dias atuais, que distantemente de ser algo respeitoso, familiar e cordial, transformou-se num conceito que mais se aproxima do pecado?
No mundo atual, onde as apelações são constantes e as indiferenças comandam as relações entre os humanos “descolados” e “ficantes”, ainda poderia se relacionar a ternura que subjaz no amor a conceitos como afeto, dedicação absoluta, adoração, carinho, ternura, dedicação, fidelidade, namoro e compartilhamento?
Nos conceitos observados nos dicionários, outros termos ali constantes se aproximam muito mais dessa descaracterização do amor prevalente entre os moderninhos. Nomeiam pouco, mas poderiam dizer muito mais. Aventura amorosa, apetite sexual, ato sexual, prazer, insaciabilidade do corpo, prostituição, transa, sexo, luxúria, dar uma. Tudo isso é amor na atualidade, ou não é? E não foram citados outros termos vulgares que repassam de boca em boca, até mesmo entre aquelas pessoas que querem se esconder sob o véu da inocência para parte da sociedade.
Ora, o amor não é mais carinho porque não há mais lugar para a carícia, para o afago, para a meiguice. Não é mais afeto porque, a não ser a intenção sexual, ninguém tem mais amizade pela pessoa que está ao seu lado. Não é dedicação porque só querem usar e jamais cuidar. Não é adoração nem culto porque o endeusamento tem hora certa pra começar e mais ainda para terminar. Não é apego porque só é constante durante o ato sexual. Não é simpatia porque não há mais afinidade e correspondência duradoura entre os corpos que se atraem. E não é amor porque isso simplesmente não existe mais e foi uma invenção da lexicografia para dizer, um dia, que aquilo que as pessoas sentem por outras tem um nome bonito.
O que seria, pois, e definitivamente, o amor nos dias atuais? Prazer, nada mais que prazer. As pessoas só buscam o prazer, só vivem pelo prazer e até pagam pelo que lhes dê prazer. Quanto valeria um amor verdadeiro, daqueles cantados por Shakespeare e Vinícius? Ou tem maior cotação o amor adúltero descrito por Tolstoi e Eça de Queirós?
Nos dias atuais, o amor precisa ser reconstruído em seu conceito e significado, sob pena de se achar que se constrói o amor quando a prostituta convida: “Bem, vamos fazer amor?”
Advogado e poeta
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