SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A FOME E A COMIDA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Sou sertanejo e conheço bem os meandros da sobrevivência por lá, naquele sertão de desvalias e esperanças. Por isso sei que não mentem os que afirmam da pobreza, da miséria absoluta existente em cada canto, das dificuldades imensas para subsistir, principalmente em épocas de estiagens.
Nos centros urbanos há uma população aparentemente remediada, o que não esconde a situação de penúria existente pelos casebres espalhados pelos arredores. Mais adiante nem se fala, pois só sabe Deus como um povo busca força e meios para sobreviver. Basta entrar num barraco daqueles para sentir o coração apertar.
Povo cheio de fé, de profunda religiosidade, talvez busque nesse alento da alma a força que o espírito precisa para não fraquejar de vez. E só mesmo milagre para alimentar a filharada, para ter forças para enfrentar as dificuldades que assomam impiedosamente. Incrível que aconteça assim, mas quanto mais empobrecida mais filhos tem a família.
Tem gente que não tem nada mesmo, de panela costumeiramente vazia.  Mas também, noutras moradias na mesma situação, ainda se ouve uma galinha cacarejando no quintal, um pato ciscando no telheiro, um bode berrando adiante. E mesmo assim passa fome. E, neste caso, não por falta do alimento, mas pelo apego que se tem a cada bicho ali existente.
Era prática usual na população mais carente a inventiva de meios para aplacar as dificuldades ou mesmo lançar mão daquilo que estivesse ao seu alcance, e tudo no intuito de garantir o pão do dia a dia. Por isso mesmo que se dizia que não havia gente pedindo esmola no sertão empobrecido. Quando um era avistado erguendo a mão ou batendo na porta, logo diziam que era forasteiro.
Os quintais, os pequenos pedaços de terras, as águas dos rios e a mataria, serviam como locais de aquisição, ainda que de quantidade reduzida, daquilo que necessitavam para sobreviver. Ou mesmo em grandes quantidades, vez que tais arredores das residências sempre contendo meios de alimentação. Bastava o encorajamento e a persistência para não serem penalizados com a barriga vazia.
Ora, não faz muito tempo que os quintais sertanejos eram povoados por animais de criação. Galinhas, patos, perus e porcos, ciscavam e barulhavam festeiros pelos cercados e malhadas. E em muitos lugares uma pequena horta, um cercadinho com plantas medicinais, verdadeiro pomar de frutos olorosos e sempre desejados pela meninada da vizinhança. Cada canto do pequeno pedaço de terra era aproveitado e dali sempre alguma colheita.
O sertanejo tinha, por assim dizer, uma verdadeira mesa no quintal. Ali os ovos da galinha de capoeira, a própria galinha e outros animais de criação. E na pequena horta o tomate, o pimentão, a pimenta para molhar a carne fresca. Em muitos quintais também o maxixe e o quiabo. Até milho e melancia colhiam, sem falar no mamão, no caju e no umbu. E tudo ali ao alcance de qualquer fome.
Quem morava um pouco mais afastado, nas pequenas propriedades ao redor, podia ter animais em maior número, bem como o bode e outros bichos de vizinhança. E os beiradeiros, viventes das barrancas do Velho Chico, tinham ao seu dispor os peixes de todos os tipos e tamanhos. Hoje não está mais assim, vez que as hidrelétricas fizeram os cardumes desaparecer, mas qualquer esforço de pesca será recompensado.
Contudo, a fome ainda persistia naquelas famílias ribeirinhas e nos moradores de outros locais com seus quintais sempre contendo algum alimento. O próprio ribeirinho pescava muito mais para comercializar do que para comer. O beiradeiro nunca foi muito de se contentar com o peixe existente logo adiante. Por isso muitos passavam fome com a mesa posta no leito do rio.
Do mesmo modo, não era - e ainda não é - coisa costumeira ver uma família pobre matar uma galinha do próprio quintal para alimentar os seus. Nem pensar em matar um porco ou um bode e salgar um quarto para o alimento de muitos dias. O pior é que nem abate um animal de criação para vender nem para consumo familiar. Daí que muitas vezes a fome apertava mesmo naquelas famílias de quintais sortidos.
Ainda continua assim. É coisa rara que o sertanejo procure se alimentar daquilo que tem no seu quintal, no cercadinho ou pasto. Para um visitante importante manda matar a galinha mais gorda, um bode, um peru, mas nada disso acontece quando está em jogo a própria subsistência familiar.
E não é difícil de acontecer que a panela fique vazia porque não há dinheiro para feira, enquanto a galinha está ali mesmo pelo barro da cozinha catando o que comer. O galo morre de velho, mas não vai pra panela de jeito nenhum. Contudo, a situação muda totalmente quando não há nada no quintal nem na despensa. Aí é pobreza mesmo. Aquela que tanto se fala e pouco se conhece da sua feiura.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Chefe RANGEL: Continuo interrogando, onde você, com as ocupações de Advogado atuante e Escritor, encontra tempo para a elaboração de crônicas, artigos e poemas -, praticamente todos os dias?
Também venho observando que até pelas madrugadas você posta mensagens.
Esta sua crônica me faz lembrar uma matéria que li há dias pela Internet de famílias do interior de um dos nossos Estados Nordestinos, onde na última estiagem (quase seca), que estavam caçando ratos rabudos para a alimentação. Entrei em contato com o cidadão do blog, pedindo confirmação do fato, e o mesmo confirmou a informação dada anteriormente. Tenho tal fato gravado em meu HD para comprovar que este nosso tão grande País ainda não conseguiu exterminar a pobreza. Não sei o que está faltando!
O Brasil é possuidor de uma imensidão de recursos naturais: petróleo, homens inteligentes no desenvolvimento da tecnologia, imensas florestas, rios cheios de peixes, terras produtivas a vontade, logo que temos um País continente, minérios dos melhores possíveis. O QUE ESTÁ FALTANDO DOUTOR RANGEL?
Muito grato, e para nos confortar, lembremos do que nos fala o Escritor EUCLIDES DA CUNHA: "O SERTANEJO É ANTES DE TUDO UM FORTE". Antonio José de Oliveira - Bela Vista - Serrinha-Ba.

Anônimo disse...

Caro Escritor Rangel: Li (de imediato) seu e-mail. Como sou semi-analfabeto em passar e-mail, tenho que me comunicar com você através este recurso - seu blog.
Não sabia que você esteve enfermo a ponto de cursar o coma induzida, há aproximadamente quatro anos. Graças a DEUS que essa fase já passou e está em prefeita ordem. E, parece até que a doença contribuiu para sua maior produtividade. Veja: "duas e meia da madrugada" (quando eu praticamente começo dormir) você já está redigindo ou revisando matérias e postando na INTERNET!
Gostaria de ter essa sua disposição, mas, até zero hora consigo escrever minhas pequeninas coisas, mas após esse horário, o organismo de setenta anos não permite tão grande dose de energia.
Contudo, o que eu vejo mesmo, é que o povo sertanejo não consegue ter preguiça - até mesmo nas madrugadas. Parabéns por dispor de tanta energia caro companheiro.
Antonio José de Oliveira - Serrinha.