Rangel Alves da
Costa*
Nenhuma
vitória aos olhos dos outros terá validade se a conquista não for proveitosa
intimamente; não se deve comemorar aquilo cujas consequências serão de sensação
de perda; de nada adianta cantar vitória se o conquistado destruiu-lhe as
forças. É certamente uma visão cética da realidade para indicar, em síntese,
que sem proveito nenhuma conquista terá qualquer valia.
Talvez
tenham sido estas as sensações experimentadas por Pirro (318 a.C. — 272 a.C.),
famoso general e ferrenho opositor de Roma, também rei de Épiro e da Macedônia.
Este, após sofrer perdas significativas e ainda assim sair vitorioso nas
Batalhas de Heracleia, em 280 a.C., e de Ásculo, em 279 a.C., ao receber os parabéns
pelo feito na última batalha, resumiu o que sentia na seguinte frase: Mais uma
vitória como esta, e estou perdido!
Historicamente,
tal episódio ficou conhecido como a Vitória de Pirro ou Vitória Pírrica e
passou a ser utilizado todas as vezes que se deseja expressar um sentimento de conquista
demasiadamente dispendiosa; uma vitória alcançada a custo elevado demais, e
que, por isso mesmo, precisa ser refletida se realmente tenha valido a pena
lutar tanto. Há de se considerar qual proveito traz uma vitória onde todas as
forças foram consumidas na batalha.
Como
visto, o vitorioso Pirro reconheceu, entristecido, o quão inglória pode ser uma
grande conquista. Perdeu os melhores generais, a maior parte de seu exército,
quase foi totalmente destroçado. Mas por fim saiu da luta ileso e com o inimigo
derrotado. Então haveria de se perguntar: A real força está num grande exército
que perde uma batalha ou um pequeno exército que dá tudo de si e impiedosamente
se fragiliza para derrotar um inimigo?
O grande
exército se recompõe pela própria força que possui, enquanto o agrupamento
vitorioso, por não poder refazer as grandes perdas, se fragiliza a tal ponto
que não suportará qualquer nova investida adversária. Por isso mesmo que as
vitórias, as conquistas e os sobrepujamentos dos adversários não devem ser
considerados como frutos de uma disputa de vida ou morte se a permanência em pé
não suportar um sopro de brisa.
Na esteira
do sentimento pírrico, urge indagar qual valia possui tanta luta se mais tarde,
quando muito já foi conquistado, a batalha é abandonada. Será preciso responder
se vale a pena indignar-se, revoltar-se, esbravejar, buscar encorajamento e
partir pra luta se mais adiante calará diante dos mesmos fatos que
predispuseram a insurgência. E principalmente quando o inimigo, que tão
fragilizado e amedrontado se mostrou, resolve não mais respeitar o indignado e
praticar as mesmas ações. Pior ainda quando o adversário conhece bem até onde o
seu contendor vai guerrear e em seguida fraquejar.
Infelizmente,
o sentimento pírrico está muito mais refletido na atual realidade brasileira do
que no passado histórico. Os adversários estavam em campo para a batalha. De um
lado as mazelas do poder, as ineficácias governamentais, a corrupção
político-administrativa, os enlameados donos do poder, os políticos e
governantes com suas nefastas ações contra a sociedade; e de outro um batalhão
de pessoas indignadas, revoltadas e esbravejantes com a situação imposta pelos
adversários.
Logicamente
que as forças de guerra do primeiro exército - governo, poder, políticos e
política - eram infinitamente superiores ao poder de batalha apresentado pelo
exército do povo, das ruas, formado pela população revoltosa. Contudo, mesmo
sendo muito menos poderoso que as forças do poder e da política, a legião do
povo conseguiu se sobrepor e atemorizar os adversários. E isto porque carregava
com bandeira maior de luta a força da transformação. Se assim o quisesse.
Em
determinado momento da luta, a poderosa força se amedrontou e recuou a tal
ponto que os seus principais líderes se fecharam em gabinetes em busca de
estratégias para reverter a situação extremamente desfavorável. E a única saída
foi reconhecer a derrota e acenar como prêmio de guerra uma infinidade de
promessas que jamais seriam cumpridas. Habilidosos como são, extremamente
capacitados na arte da enganação, os governantes e políticos prometeram
exatamente o que o exército do povo queria ouvir. Porém sabendo aqueles que
tudo não passava de uma estratégia para refrear os ânimos de uma população
caracterizada pelo rápido esquecimento daquilo que motivara sua luta.
E, como
sempre ocorre no caso brasileiro, mais uma vez deu certa a estratégia do
adversário anteriormente derrotado. Enquanto a população recolhia suas armas,
calava os seus gritos e refreava os seus passos nas manifestações, o lado
perdedor recobrou as forças suficientes para reinvestir contra o povo. As
promessas foram esquecidas, o exército das ruas também esqueceu pelo que
lutara, e tudo voltou a soprar favoravelmente aos poderosos. E agora, sem mais
força para lutar, para mostrar revolta ou indignação, o povo parece ter passado
para as hostes inimigas e até acariciar seu ego eleitoral. Basta ver as últimas
pesquisas.
O general
Pirro havia, desolado, reconhecido o pouco valor de uma luta que mesmo
vitoriosa lhe tira as maiores forças. Talvez o exército do povo brasileiro
continue achando que saiu como vencedor naquelas manifestações e atos de
revolta. Conquistou o que, se tudo continua o mesmo e tende a piorar? Que o
exemplo pírrico possa ensinar que a verdadeira vitória é aquela onde o
conquistador não sai da luta ainda mais fragilizado.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário