Rangel Alves da
Costa*
Não somos
da raiz tuaregue, beduína ou de qualquer outro povo saariano, de passo e
percurso como errante desértico. Não vivemos atormentados por ferozes nuvens de
areia, recobertos pelo sol atemorizante nem sedentos de delirar na ilusão de
gota d’água.
Também não
vivemos subindo e descendo dunas ou caminhando léguas infindas em planícies de
areia e fogo tentando avistar um oásis perdido. Ou apenas a sua miragem. Por
isso não sonhamos com fontes de água fresca e coqueirais, arvoredos sombreados
e pomares de doces frutos.
Não
armamos tendas para fugir do gélido sopro da noite; não nos sentamos ao redor
da fogueira para pegar com a mão os grãos preparados e levar à boca; não
tememos as serpentes do deserto que de repente surgem acima dos areais. Também
não avistamos sempre a mesma paisagem inóspita e hostil por todos os lados.
Não somos
assim, não somos nada disso, mas somos tudo isso. Não vivemos nas desoladas
imensidões saarianas, não temos apenas açoites de poeira e pó sobre os nossos
corpos, mas inegavelmente que vivemos num deserto. A solidão que é desértica
por nós se tornou conhecida.
Talvez
apenas uma duna nos separe, talvez a mesma nuvem de areia sopre em nós dois em
instantes diferentes, mas não estamos distantes, pois vivendo a mesma situação.
O sol da angústia recai sobre nós, a sede da saudade está em nossas bocas, a
fome de querer encontrar igualmente nos atormenta.
Não somos
o povo do deserto porque somos o próprio deserto. Sim, eu e você, nós dois,
somos e vivemos este imenso deserto que nos alcança e nos aflige a todo
momento. Mas nada que tenha surgido ao acaso, nada que esse ermo de desolação,
angústia e melancolia não tenha sido causado por nós mesmos.
Somos,
estamos e vivemos o deserto porque assim desejamos. Todo relacionamento é
permeado de contradições e dificuldades, de abismos e flores, de contentamentos
e enraivecimentos, mas quando optamos pela estrada árida e perigosa do egoísmo
e da desunião, então começamos a semear ventania onde soprava brisa.
Agora,
quando apenas nos avistamos um ao outro em caminhos diferentes, sentimos toda
aspereza do deserto que escolhemos nos transformar. Nossas noites são mais
longas, nossos dias mais tristes. Tudo parece difícil e longe demais. Somente a
saudade alcança.
Noutra
realidade não vivemos senão na paisagem abrasiva que construímos. Retratos
parecem sombras brotando nos areais escaldantes; bilhetes são como pontas de
espinhos que vão surgindo do nada; cartas são tempestades que procuram nos
aterrar nos subsolos mais distantes da dor.
E o
pensamento, a saudade emoldurada pelas nossas faces, certamente é miragem
sempre avistada e jamais alcançada. Quanto mais o pensamento deseja encontrar
mais o oásis vai se distanciando até se transformar num lago caudaloso e belo.
E naufragamos ao invés de alcançar a margem da esperança.
Noites que
dormimos e sonhos que sonhamos tentando fugir do deserto. Mas impossível se ele
está em nós, se somos o seu sol e calor, sua sede e sua fome, sua distância e
toda desesperança. E não sucumbimos de vez porque as lágrimas, avidamente
bebidas, nos faz prosseguir. Mas pelo mesmo deserto.
Não sei
até onde vai esse deserto, qual a sua fronteira, qual o seu fim. Não sei se
suportaremos mais um dia nessa escalada de sofrimento. Não sei se suportaremos
mais uma tempestade ao cair da noite.
Mas sei
onde está o jardim e o pomar, a fonte de água fresca e o sombreado. Tudo ao
nosso lado, dentro dos nossos corações. Basta que desertemos o deserto e
façamos de conta que nossa estrada é outra. Aquela que um dia prometemos
seguir.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Pois é Poeta Ragel: O difícil é desertar o deserto; é preciso muito preparo nas emoções da nossa vida. Mas não é impossível.
Antonio José de Oliveira - Serrinha-Ba.
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